Azul ou rosa?

O Brasil de hoje é um país do passado, meninos. E neste retrocesso nosso, gente que já viveu – e pouco aprendeu – acha que pode dizer às crianças o que fazer. Ou se devem se vestir de azul ou rosa…

É o caso de uma senhora, que fizeram ser ministra, que disse a seguinte pérola:

“É uma nova era no Brasil: menino veste azul e menina veste rosa.”

Sim, é uma nova era mesmo: a da burrice, da ignorância e do conservadorismo mais raso. Uma nova era de ideias pobres, como esta de azul ou rosa.

Mas vamos tentar entender o que passa pela mente de gente assim para vocês, meus pequenos, evitarem pessoas que pensem parecido.


Azul ou rosa: o mundo em preto e branco

Desde que o mundo é mundo, há pessoas que olham para frente e outras que continuam de costas para o novo. Foi assim com os Homo neandertalensis e Homo sapiens, que preferiram evoluir para descobrir novas maneiras de explorar o espaço à sua volta.

Deles surgiram as primeiras ferramentas e representações simbólicas, duas conquistas marcantes da humanidade.

Séculos de evolução, no entanto, são insuficientes para dizermos que a humanidade tenha de fato avançado. Pelo contrário, meninos. Com o surgimento de novas ideias na Europa nos séculos XVII e XVIII, por exemplo, o conservadorismo abriu suas asas.

“No lastro dos movimentos revolucionários europeus dos séculos 17 e 18, emergiu, assim, a polarização conservadorismo/progressismo. O pensamento conservador deu origem a posições políticas que se caracterizam pela manutenção da ordem social, econômica e política vigente.”

Infelizmente, a sensação que dá é de que estamos olhando – e caminhando – para trás. Para um passado que deveria ter sido esquecido no tempo. É um mundo em preto e branco.

E de divisões ultrapassadas quando em realidade somos hoje uma sociedade liquefeita, bem misturada de ideias, preferências e jeitos de ser.

Mas corremos o risco de que esse governo procure corroer as instituições democráticas, o pleno funcionamento dos poderes, a plena manifestação de imprensa, das pessoas. Tudo isso, no dia a dia, já está surgindo. Então, não adianta fechar os olhos, o risco é muito grande. É uma espécie de deterioração ou ataque, sem ser na forma de um golpe às instituições democráticas.


Esteriótipos e o Brasil da ignorância

A educação que eu e a sua mãe tentamos dar, meninos, está o mais distante possível dos esteriótipos de gênero. A nossa intenção é afastar besteiras como azul ou rosa de vocês. Que isso jamais seja uma dúvida.

Isso porque papinhos como esse são uma intromissão de mentes adultas caquéticas na infância. No mundo ideal, toda criança deveria fazer o que sabe de melhor: descobrir possibilidades. Ver o que ninguém mais vê. Provar. Tocar. Experimentar. Na cor que for, do jeito que der.

Rosa ou azul? Os dois! E todas as demais cores da paleta. Que toda criança tenha o direito de se descobrir. Essa é a nossa expectativa para vocês, meninos. Essa deveria ser a expectativa de todo adulto para as novas gerações.

Mas no mundo, como disse no começo deste texto, há gente sempre olhando para trás. Pessoas que, passados os anos, não aprenderam nada. E que, por isso, tentam doutrinar. É assim há séculos, como mostra o trecho do livro abaixo:

O que você falou? | Pink and Blue Telling the Boys from the Girls in America


Todas as cores da infância

Adultos deveriam parar de falar e ditar regras de gênero às crianças. Que este assunto seja para depois, e apenas se ele for um assunto. Porque as coisas, no curso da infância, acontecem naturalmente – sempre e quando deixamos os pequenos e pequenas em paz.

A infância é multicolorida. Um prisma pelo qual passam todas as tonalidades, cruzando-se como um fenômeno que os cientistas não conseguem explicar.

Gente como esta tal ministra incorpora o pior da civilização. É gente que representa a corrupção do espírito adulto, com suas cabeças inflamadas pelo vírus do conservadorismo que acaba contaminando a pureza da infância. Na verdade, são adultos infelizes.

E o pior é que ela não está sozinha. Neste momento infeliz do Brasil, esta senhora é apenas uma entre muitos. A começar pelos próprios filhos do novo presidente. Nesta família ilustre, um deles escreve abobrinhas do tipo:

“Atenção professores: seu aluno que inicia agora o 1º ano do ensino médio não precisa saber sobre feminismo, linguagens outras que não a língua portuguesa ou história conforme a esquerda, pois o vestibular dele será em 2021 ainda sob a égide de pessoas da estirpe de Murilo Resende.”


Calma, nada está perdido

Mas calma, meninos. Existem adultos como eu e a sua mãe. Gente grande que aprendeu com os anos vividos. O nosso coração bate por vocês – e por quem vocês decidirem ser. Vistam azul ou rosa. Sejam meninos ou meninas. Amem meninos ou meninas.

Nada está perdido. Muito menos neste país em que vocês nasceram. Aqui ainda há muita gente que pensa bem diferente desta ministra. Pessoas como ela, vêm e vão. E se acham que causam medo, estão muito equivocadas.

Porque o mundo do azul ou do rosa, do preto ou do branco, gira rodeado de outros planetas. A galáxia humana concentra corpos celestes de todas cores, formas e intensidades. Ninguém está mais sozinho. E tampouco tem o poder de isolar ninguém, por mais que queira e tente.

Senhora ministra, fora do seu gabinete carcomido, somos muitos que vestimos rosa e azul. Não sabe ainda se as crianças devem se vestir de azul ou de rosa? Faça o certo: deixe elas escolherem a cor porque esta é a melhor educação que todo adulto pode dar.

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