O que muda com filhos na vida, corpo e carreira dos pais

TUDO. Isso é o que muda com a chegada dos filhos. Simples assim. E assim de complexo. Porque dar à luz a uma criança é chutar a porta. De bico. Sem chuteira ou chinelo.

Ou esmurrar a ponta da faca. Sem ser masoquista, mas porque filhos são para toda a vida. Parece óbvio; não é. Acredite. Só deixe de lado os clichês, por favor, como comprar um mocassim ou abraçar o conservadorismo. Paternidade é outra coisa.

Que fique claro: este é um texto de coração aberto para os meus filhos, Artur e Bento, e para outros pais. É um texto sobre como os pequenos mudam a nossa cabeça, corpo e atitude. Prometo ser sincero, com espírito leve. Como toda paternidade deveria ser. Começa assim… 👇

1 – Cabeça: a ciência mostra que filhos mudam o cérebro e as prioridades dos pais

Pai que é pai sabe disso. Como 2+2=4. A paternidade do dia a dia revira, chacoalha e larga no chão cada um de nós. Do jeitinho que os nossos pequenos fazem com os seus brinquedos.

E porque muda TUDO, isso de ser pai exige uma certa sapiência não adquirida – e muitas vezes pouco desenvolvida, sejamos sinceros. 👍 Vários homens até dão os melhores exemplos, mas mesmo semideuses da paternidade erram com os pimpolhos.

Além do turbilhão de reflexões em que nos metemos quando um filho nasce (para o nosso bem e o da humanidade), há as próprias mudanças no organismo. Mas o que muda com filhos no nosso órgão mais criativo?

A ciência encontra cada vez mais pistas de como ser pai significa passar também por transformações no cérebro, como acontece com as mães (sem comparações aqui, por favor). Nos últimos anos, mais e mais trabalhos científicos apontam a possível extensão dos processos.

Antropologia da paternidade: o cérebro se ajeita

No centro das últimas descobertas está um bichinho simpático: o arganaz do campo (Microtus ochrogaster). Os machos dessa espécie de roedor, parente próximo dos camundongos e habitante de regiões na América do Norte, estão entre os pais mais atentos da natureza porque dividem os cuidados dos filhotes com as mamães arganazes. 🤜🤛

Arganaz do campo Microtus ochrogaster
Papai atento da natureza: arganaz do campo (Microtus ochrogaster), por Davi Faria Lima (CC BY-SA 4.0)

O arganaz já era reconhecido como um autêntico monogâmico. Isso devido em parte à influência química dos hormônios oxitocina e vasopressina (que também circulam em nossos organismos) nos seus comportamentos sexuais.

Agora, esse bichinho dá outra lição aos pesquisadores de como a paternidade chega-chegando no 🧠 cérebro 🧠.

“Estudos demonstraram que, quando um arganaz do campo nasce, novos neurônios brotam no hipocampo de seu orgulhoso pai, uma região do cérebro envolvida no aprendizado e na memória. E esses neurônios desenvolvem espinhas dendríticas excedentes, que ajudam as células cerebrais a se conectarem umas às outras. Essas duas mudanças provavelmente acontecem para ajudar os arganazes a identificar e a lembrar da sua prole.”

Trecho de Dad Bods and Dad Brains: The New Science of Fatherhood, da Fatherly

Não é sensacional??? O cérebro se transforma para que os papais arganazes possam LEMBRAR dos seus filhos…

Outros interesses: pais ajustam o foco em geral

O que muda com filhos de outra perspectiva agora… Um estudo diferente demonstrou como pais e homens solteiros reagem a fotos de crianças e imagens provocativas com mulheres.

E o resultado foi este: os papais tiveram uma maior atividade em seus giros frontais médios, no lobo frontal do cérebro, quando viram as fotografias com pequenos (principalmente com carinhas tristes).

Já os não pais acharam isso menos interessante do que as fotos com mulheres. Ou seja, o estudo sugere uma mudança de interesses. Os “instintos” de conquista dariam lugar aos de preservação da espécie por meio de uma maior identificação com crianças.

“Em 2014, [o neurobiologista James] Rilling [que estuda antropologia da paternidade no Emory College] e seus colegas conectaram um grupo de pais e não pais a um scanner cerebral de fMRI. Quando eles mostraram aos homens fotos de crianças, os cérebros dos pais foram ativados nas regiões dedicadas ao processamento de recompensas – com os não pais, foi menos. Quando os pesquisadores mostraram aos homens imagens sexualmente provocativas, no entanto, os cérebros dos não pais se sobressaíram aos dos pais na leitura de fMRI. O que quer que estivesse acontecendo no cérebro dos pais, o estudo sugeriu mudanças nas suas prioridades”.

Trecho de Dad Bods and Dad Brains: The New Science of Fatherhood, da Fatherly

2 – Corpo: a paternidade envolve alterações hormonais além de adaptações no cérebro

Não dê uma de tiozão do churras e solte a piadinha de que ser pai engorda na certa. Isso até pode acontecer se você deixar (e com isso ostentar um “dad bod”, como os americanos e ingleses chamam o corpo de estilo “pai de família”).

“Dad bod” is a male body type that is best described as “softly round.” It’s built upon the theory that once a man has found a mate and fathered a child, he doesn’t need to worry about maintaining a sculpted physique.”

Vox explica o que é um dad bod

A coisa é mais séria. Bem, mais científica, digamos. Antes, a ciência considerava que apenas as mães tinham seus corpos afetados pela maternidade, principalmente devido à gestação e amamentação.

Porém, nos últimos anos, são mais recorrentes os estudos que demostram que o corpo dos papais também é o que muda com filhos.

A testosterona cai, e altera a empatia pelos pequenos

Pais se emocionam porque algo muito importante acontece: os níveis de testosterona, o principal hormônio sexual masculino, vão para o chão. Eles caem como pedra da beirada do penhasco. É a natureza nos preparando, dos bastidores, para o nosso novo papel de cuidar de um recém-nascido.

“Men with lower testosterone are much more sensitive towards their children and empathetic. It makes them motivated to care for their child. If you were to play baby cries to a group of men, those with really high testosterone would probably find it really irritating whereas men with low testosterone would become anxious.”

BBC, e a ciência por trás da paternidade

Além de estimular a sensibilidade às necessidades dos filhos, a queda nos índices de testosterona contribui para a maior capacidade de ter paciência – um bem muitas vezes escasso para quem tem crianças em casa.

Ou seja, a ciência está atenta às transformações que os pequenos causam. E junto com elas há na atualidade toda uma evolução da própria figura do pai na sociedade. Isso porque muitos homens já praticam conceitos como os da paternidade ativa.

3 – Carreira: pesquisas mostram que os pais também reavaliam suas profissões pela paternidade

Você leitor(a), como eu, já deve ter ouvido de tudo sobre carreira e paternidade. Há que diga que filhos só atrapalham o desenvolvimento profissional, enquanto outros veem seus pequenos como vetores de promoções, melhores oportunidades e até retomadas da profissão.

Vai de cada um. E de cada situação e momento de vida.

Mas é certo que algumas pesquisas trazem fatos interessantes de como a molecada estimula reviravoltas nos planos. Um estudo do site de vagas Indeed, por exemplo, revela que “88% dos pais disseram que ter um filho mudou a forma como viam sua carreira, sendo que 87% citaram objetivos de carreira diferentes. E 77% afirmaram ter novas visões sobre a cultura corporativa.”

O bônus da paternidade, e a geladeira na carreira com a maternidade

Muitos dados de recursos humanos mostram que em diversas situações ter filhos não é impedimento para as promoções dos papais. Por sua vez, as mães passam por situações diferentes, em geral. É o que mostra outra pesquisa da Universidade de Massachusetts, em Amherst.

“One of the worst career moves a woman can make is to have children. Mothers are less likely to be hired for jobs, to be perceived as competent at work or to be paid as much as their male colleagues with the same qualifications. For men, meanwhile, having a child is good for their careers. They are more likely to be hired than childless men, and tend to be paid more after they have children.”

Trecho de The Motherhood Penalty vs. the Fatherhood Bonus, do NYT

Já o The Modern Family Index, publicado pelo Working Families and Bright Horizons, demonstrou resultados opostos. Nesta sondagem , divulgada pelo The Guardian, 18% dos pais e mães entrevistados responderam que haviam parado a suas carreiras por motivos familiares. E 10% preferiram recusar ofertas de trabalho ou promoções.

Há de tudo nessa vida. Mas o certo é que a carreira também se transforma com a chegada dos filhos. O que leva a outro ponto: as trocas de comportamentos assim que escutamos o primeiros choro das nossas crias.

4 – Atitude: o que muda com filhos na vida de muitos pais de hoje

Se a mente, a carreira e o corpo mudam, a atitude acaba acompanhando. Para o bem ou para o mal. Em maior ou menor intensidade. O fato é: nenhum pai está imune. Sempre há a fase da negação para alguns, por exemplo, ou aqueles que se recusam a mergulhar de fato na criação dos pequenos.

Mas algo sempre se altera dentro de nós.

O que muda com filhos, nesse sentido, é muito mais do que só ser ou não ser um pai participativo. Tem a ver com redescobrir a própria personalidade, o caráter e o entendimento de si mesmo. Também nesse caso as pesquisas científicas podem ajudar na reflexão de como pais podem contribuir para a redefinição, na sociedade, da própria figura masculina.

“As the researchers expected, men were judged to have significantly more negative traits than the other groups. Dads were viewed more positively than men (and significantly more distinct from men than moms were from women) and seen as more similar to women and moms.”

Trecho de How Fathers Can Change What It Means to Be a Man, da Scientific American

Ou seja, os pais tendem a se diferenciar dos não pais. Claro que não se deve generalizar, mas o fato é que cada vez mais figuras paternas têm se posicionado para combater clichês e vícios do passado da paternidade. Como os do vídeo abaixo. 😎

5 – O pai como um todo: a paternidade vem para empurrar para frente

Seja você um pai presente ou distante. já deve ter entendido que a mesmice e ter filhos são opostos. Por isso mesmo, o que muda com filhos é a nossa incapacidade de sermos os mesmos. Não dá… Impossível.

E isso é diferente de se anular, uma vez que ninguém é obrigado a nada. Mesmo o pai que se afasta da cria tem, no fundo de si, um novo eu com o qual aprender a lidar. Muito bom que seja assim.

Afinal, quem deseja ser o mesmo para sempre? Eu não. Tampouco os meus pequenos.

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