Paternidade ativa, origem e por que é uma ideia errada

Esse post é sobre paternidade ativa. E as razões pelas quais o conceito é errado para definir o comportamento de pais no cuidado dos filhos. Surpreso(a)? Polêmico? Então responda rápido: você já ouviu falar em maternidade ativa?! Não, verdade?

Aí está a questão… Por que isso se a maternidade é maternidade? Neste post, vamos tentar entender: a origem do conceito; a sua difusão nos últimos anos; por que está errado; e o que isso tem de mal para a sua paternidade hoje.

Esse post é para você, leitor(a), que se interessa por temas ligados ao cuidado das crianças. E é também para mim, para meus dois meninos e para a minha companheira incrível, cuja maternidade dá de 7 a 1 na minha figura de pai.

O que é paternidade ativa (ou o pai pavão)

Paternidade ativa é o nome dado atualmente ao movimento, chamado, conceito, filosofia ou atitude de pais mais comprometidos com o cuidado dos filhos.

Bom… Essa, pelo menos, é uma possível definição tendo em vista a variedade de descrições em diversos textos e veículos de comunicação.

E justamente por isso é um termo muito ruim porque cada um o usa como quer no Google: movimento, filosofia ¯\_(ツ)_/¯, chamado (???), antídoto etc.

Isso acontece também nas buscas em inglês, idioma que amplia ainda mais as possibilidades de significado (ou a falta dele). No fim das contas, pode ser qualquer coisa já que cada um dá o nome que quer.

Mas há algo em comum em tudo isso: as fotos de pais sorridentes, saltitantes com os seus filhos também sorridentes. São pais de verdade ou pais-pavão? 🦚🦚🦚

A origem da ideia na psicologia de Adler

O termo seria uma derivação ruim dos termos “positive parenting” ou “positive discipline”, associados às teorias dos psiquiatras vienenses Alfred Adler e Rudolf Dreikurs. Eles são os pais da chamada “psicologia de Adler”, que situa os relacionamentos interpessoais no centro dos nossos problemas.

Paternidade ativa Alfred Adler
Alfred Adler (CC BY-SA 4.0)

Para Adler, “toda criança tem um sentimento de inferioridade por comparação realista com os adultos, maiores e mais hábeis, cuja superação seria sua principal meta na vida”, segundo resenha da Federação Brasileira de Psicanálise.

No curso oferecido pela Positive Discipline Association para brasileiros, alguns dos temas de aprendizado são:

  1. ¨Aprenda ferramentas e técnicas eficazes e baseadas em pesquisa para ensinar os pais a usar uma disciplina gentil e firme ao mesmo tempo (não punitiva, não permissiva). (…)¨

“Pai ativo”, “pai presente” ou pai apenas?

A disciplina positiva tenta ser então gentil e firme ao mesmo tempo. Pois, não há aí uma relação direta com ser mais ativo, pelo contrário. Pouco importa se você concorda ou não com as ideias de Adler e Dreikurs… O fato é que a psicologia deles propõe nada mais, nada menos do que pais que sejam pais.

Ou seja, muito diferente de ser um “pai ativo” ou “pai presente”, como também se diz atualmente. Mães, por exemplo, são em geral constantemente cobradas para serem mães dedicadas ao bem-estar da família.

Pior, a maioria dá por certo que elas devem ser ativas. E sem descanso: gestar e trabalhar até o último momento, amamentar sem reclamar, não entrar em depressão no pós-parto e dar conta do desenvolvimento dos filhos. Além de tocar as tarefas domésticas e investir nas próprias realizações.

Por acaso dizemos “maternidade ativa”? Não, o que se escuta é:

“— Mãe é mãe!”

Sim, é certo que os tempos mudaram. Mas não tanto, convenhamos. A sociedade permanece apegada ao passado como um todo. E se ser essa mulher e mãe não é estar ativa, o que será então?

Paternidade ativa nos últimos anos e a realidade hoje

Voltamos ao ponto inicial: se mãe é mãe, por que ser pai que faz o que deve (ou deveria) é um “pai ativo”?

As discussões atuais sobre a reformulação do papel do homem dão muito destaque a uma suposta evolução da nossa presença na vida dos pequenos.

Em realidade, deveriam chamar a atenção para outro fato. O de que muitos filhos continuam desamparados ou negligenciados, tanto em casos de abandono formal como em situações do dia a dia em que ficam muito tempo com celulares ou tablets, por exemplo. E mesmo os pais “ativos” apenas empatam o jogo.

A participação masculina na rotina familiar continua incipiente no contexto maior da sociedade. Ainda assim, é crescente a utilização do termo nas últimas décadas. Por exemplo, o gráfico abaixo sobre a presença de “active parenting” em livros publicados em inglês, segundo o Google:

paternidade ativa nos livros
Número de citações da expressão em livros

Ainda que cada vez mais pais estejam conscientes e presentes no crescimento dos filhos, isso não significa que pratiquem de fato a paternidade.

Mais atenção paterna, mas ausência também

A pesquisa A tale of two fathers, realizada pelo Pew Research Center, mostra que nos Estados Unidos está em curso duas tendências quase contraditórias. Se de um lado mais pais estão presentes e comprometidos com os filhos, do outro cresce o número de crianças que vivem separadas das suas figuras paternas.

Em 1965, pais com filhos menores de 18 anos dedicavam em média 2,6 horas por semana à paternidade. Em 1975, o período médio era de 2,7 horas, enquanto em 1985 alcançava 3 horas semanais. Já em 2000, as interações duravam 6,5 ​​horas.

Tempo médio com os filhos

19652,6 horas por semana
19752,7 horas por semana
20006,5 horas por semana
Pesquisa Tale of two fathers (EUA)

No entanto, outros dados do mesmo estudo revelam um outro lado. Em 1960, por exemplo, 11% das crianças nos país moravam longe de seus pais. Em 2010, a porcentagem era de 27%. No caso das mães, o aumento foi de apenas 4% para 8%, no mesmo período.

Filhos sem pai registrado e mães sobrecarregadas

Já no Brasil, mais de 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai na certidão de nascimento. O dado, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base no Censo Escolar, esfria a empolgação que podemos ter de que há cada vez mais pais “ativos”.

No caso do relatório Situação da Paternidade no Mundo 2019, produzido pelo Promundo, 85% dos papais disseram que fariam de tudo para se envolverem muito no cuidado dos filhos. Porém, esses mesmos responsáveis assumiram que as mães têm muito mais responsabilidades.

Ou seja, a igualdade na atenção às crianças e no trabalho doméstico é uma falsa impressão.

A suposta “paternidade ativa” murcha: ela não só é uma aberração em si mesma, como não existe no atacado.

Por que essa ideia de papai ativo é um erro?

Pode causar estranheza ler aqui que falar em pais ativos é um equívoco. Mas isso não deixa de ser verdade… Talvez, nos papos que temos, nos blogs que escrevemos, nos posts que disparamos em redes sociais e nas reportagens da imprensa, o foco esteja num grande mico da relação entre pais e filhos.

Nós, pais, deveríamos evitar essa tentação de nos acharmos evoluídos, pais presentes ou muito ligados no desenvolvimento dos filhos. Porque mesmo que façamos isso, é o básico. ISSO é ser pai. Só.

Sem um adjetivo da moda.

Ou seja, o “ativo” virou uma muleta para falar do que todo pai deveria entregar por default. Sem pretensos méritos…

Se existe a “paternidade ativa”, então ela ainda precisa malhar muito para alcançar a “maternidade enérgica”

Não precisamos ser pavões… Apenas fazer o que nossos pequenos esperam: cuidar, dar apoio e estar presentes.

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