Aprender a andar é um dos primeiros desafios da maioria dos seres humanos. Faz parte da nossa evolução. E quem disse que é fácil? Não temos memória, mas vemos uma pontinha de medo de cair em todo bebê que tenta deixar de engatinhar .
Esse temor nos acompanha por toda a vida, embora de maneiras e intensidades diferentes. A queda é um fantasma que nos acompanha para sempre. Temos medo de cair no trabalho. Ou nas relações. Ou dentro de nós mesmos. Por isso é tão importante pensar nesse tipo de medo tão humano.
Medo de cair desde os primórdios
Não é de hoje que manter-se de pé é um todo um desafio para a nossa espécie. Até porque, como sabemos, esse não era o nosso “estado natural”. Ou seja, a natureza mexeu muitos pauzinhos até que pudéssemos nos erguer.
Vejamos…
No início, era a água. Depois a margem, a costa e a terra seca do interior. De peixes, passamos a anfíbios, para répteis e enfim mamíferos. Nesse trajeto evolutivo, mudamos das nadadeiras para as quatro patas e, por fim, ao bipedalismo.
“Não existe um registro exato de quando os ancestrais do homem passaram a adotar o deslocamento bípede com a coluna ereta.
Bipedalismo e novas possibilidades para o movimento humano, por Patricia Piacentini (revista pré-univesp)
O mais antigo registro até o momento, segundo Andrea Rita Marrero, bióloga e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), é associado ao fóssil Sahelanthropus tchadensis, conhecido como Toumai, que tem indicações de bipedalismo e viveu há 6-7 milhões de anos atrás na Floresta Tropical do Chade, que atualmente é um deserto.
‘Calcule que os primeiros registros da espécie Homo são de 2,5 milhões de anos atrás e que o Homo sapiens só surgiu há cerca de 200 mil anos. Logo, o bipedalismo é bastante antigo na nossa linha de ancestralidade’, analisa.”
Esse caminho todo deu um nó na cabeça. Ao mesmo tempo em que conquistávamos o equilíbrio físico, éramos desafiados a manter a cabeça em ordem.
Afinal, já não agíamos apenas por extintos, mas também por estímulos cada vez mais complexos à medida que a nossa inteliência também se desenvolvia. Não por acaso, somos capazes hoje de entender o significado do altruísmo, por exemplo.
Começamos a andar
Muita informação. Você, Artur, me olhou com incredulidade e surpresa quando te contei sobre essa emocionante aventura da vida ao longo da História.
Foram séculos e mais séculos até que aprendemos a caminhar sobre os nossos dois pés, inquietos que estávamos de nos locomover de quatro, olhando mais para o chão do que ao céu.
Em um dia ou uma noite que ninguém sabe dizer qual foi, um ancestral atrevido teve o impulso de se erguer, de esfregar as mãos com soberba e de sair andando por aí sem jamais parar, reparando com surpresa que acima dos arbustos havia paisagens que deixávamos de ver porque éramos quadrúpedes. Os nossos olhos viam mais agora, e muito ao longe.
Uma vez eretos, crescemos em altura e em espírito, uma experiência revolucionária que veio acompanhada de novos riscos mundanos, como os tropeços, as topadas doídas e a temida queda. Sim, a queda nossa de cada dia…
Nosso equilíbrio frágil
Quem anda, cai. É natural, Artur. Acontece a partir do momento em que deixamos de engatinhar e damos nossos primeiros passos ainda cambaleantes no tapete da sala, tentando encontrar o equilíbrio que nos mantenha em pé.
Mas esse equilíbrio é frágil, logo entendemos. Tão frágil que caímos mesmo quando somos adultos. E como caímos – pode ser um escorregão bobo na rua, um tombo feio em uma relação que não deu certo ou uma caída bem estrondosa na profissão.
Em todas as vezes, precisamos reaprender a levantar, como um potrinho recém-nascido (você já viu um, Artur?), ou uma gota que cai e se alça em seguida, ou o percevejo de patas para o ar, ou ainda um esportista que, justo na prova mais importante de sua vida, cai e se ergue para continuar.
A dor de cada queda é o lembrete de que somos delicados, como os primeiros anfíbios que se aventuraram fora de seu mundo aquático. O nosso caminhar decidido e altivo é o mesmo que nos induz a perder de vista os detalhes do terreno, invariavelmente irregular.
A queda é consequência e remendo. Ela deixa marcas e faz sangrar, mas cura também desde a época em que aquele nosso ancestral compreendeu sozinho, sem que lhe escorassem, que o chão permanece sempre rente e intransponível.
Tudo isso, Artur, para te dizer o seguinte: não tenha medo da queda. Ela é inevitável, saudável e necessária. Levante-se em seguida, no seu tempo, tentando entender como foi parar no chão e de que maneira você pode evitar que se repita. Se conseguir reunir todas essas reflexões, verá as mesmas paisagens incríveis que o nosso ancestral valente viu quando decidiu se erguer.
1 comentário em “O medo de cair na humanidade”