Dois mundos

O universo é a violência. Gratuita e extremada; intensa como as colisões cósmicas massivas que forjam galáxias, aglomerados, planetas e outros corpos celestes desde que o Big Bang deu o pontapé inicial a tudo o que somos e conhecemos.

Estrelas mortas, buracos negros e sistemas inteiros se chocam o tempo todo no espaço, sem clemência. Um drama cósmico que se repete aqui na Terra, onde os nossos mundos – o de vocês crianças e o dos adultos – também colidem a cada segundo, hora e dia a dia.

Dessas colisões resultam fragmentos maiores ou menores, pedaços soltos que ninguém recompõe depois. O mundo de vocês, mais hospitaleiro à vida, é imenso, como Júpiter, o maior planeta do nosso Sistema Solar. Ele viaja pela vida a uma velocidade muito alta, até que se choca com o mundo dos adultos.

Pesquisadores da Rice University, em Houston, no Texas (EUA), disseram que há 4,4 bilhões de anos, um planeta como Mercúrio colidiu com a Terra, plantando os sinais primordiais de carbono em nosso planeta.

George Dvorsky

Esse é um mundo inóspito à maioria dos seres, muito menor em tamanho, o que explica o fato de seus habitantes sentirem que falta espaço em suas vidas. O ar é rarefeito, uma atmosfera que pesa no peito, por mais que se aprenda a viver sob condições adversas.

No mundo das crianças, a vida se desenvolve soberana, pouco ameaçada como acontece no dos adultos. Vocês são seres mais evoluídos, Artur, que mesmo sem entender isto de regras estabelecidas conseguem viver em harmonia, repartindo com sabedoria seus recursos abundantes, como diversão, alegria e curiosidade, salvo curtos momentos de desentendimentos.

No mundo dos adultos, tudo é mais denso. A começar pelas relações e a incapacidade de seus habitantes de se comunicarem, apesar da escrita e dos idiomas. Adultos dizem o que não querem e entendem o que querem. Nesse planeta, a clareza não se propaga no ar.

Nós, adultos, já povoamos seu planeta, Artur, mas esquecemos da sua beleza e magia à medida que, levados pelo tempo, avançamos na viagem interplanetária entre o mundo das crianças e o dos adultos. É um trajeto demorado, cansativo e de muito torpor que desgasta a sensibilidade.

Quando aterrissamos, o mundo das crianças é menos que uma lembrança saudosa porque nos damos conta de que deixamos para trás os bons hábitos, a capacidade de contemplação e, mais que tudo, a habilidade de compartilhar. A primeira impressão, justo a que fica, é de que o planeta dos adultos passou da idade. Nele, o Sol brilha menos.

Pior do que a viagem é ninguém nos preparar exatamente para ela. De repente, pousamos simplesmente. Eu, que já estou aqui no planeta adulto há muito tempo, tentarei te ajudar a preparar a bagagem, a selecionar o que realmente importa levar e a escolher o melhor caminho para essa jornada interplanetária.

Entenda, no entanto, que as escolhas são suas e que só você pode decidir se quer ir de janelinha ou de corredor. A distância pode ser mais ou menos curta dependendo da rota que você irá fazer, o que, de certa maneira, também determinará a sua disposição na chegada. Quanto menos cansativo for, melhor pode ser a sua primeira impressão ao pisar por primeira vez no mundo dos adultos.

Seja sua nave, comandante e explorador. Mas antes de partir viva seu mundo de criança intensamente sob a mais constante efervescência. Você não está sozinho nessa. Posso ajudar a criar boas condições sempre que te visito no teu mundo, seja nas noites em que você me espera chegar do trabalho ou nas nossas brincadeiras de parque em dias de verão.

Isto de ser pai tem a vantagem de nos dar bilhetes para viagens interplanetárias de retorno em que, sendo adultos, temos a oportunidade de voltar ao mundo das crianças. Com a diferença de que, nesse regresso, somos recebidos e acompanhados por vocês, filhos que jamais pretendíamos ter quando habitávamos o mundo de vocês.

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