Viva a bagunça

Já te falei, Artur, dos enigmas da vida, dos medos da vida, de um dos maiores desencantos da vida, da dança na vida, das filas da vida e do valor da vida, além de muitas outras belezas e pontas soltas da vida.

Hoje, nosso papo é sobre a bagunça da vida, de como tudo, hora ou outra, vira de ponta-cabeça. Porque não importa o quanto tentemos arrumar, estamos sempre em meio a bagunças que fazemos, às que encontramos dos outros e às que cultivamos juntos, todas elas misturadas.

Bagunça atrai bagunça, é gosma que gruda na pele – um dia comeremos jaca do pé e você entenderá.

Mas pense grande, olhe para cima além do azul do céu e flutue pelo universo. Ele convive com a entropia – “a tendência natural que tudo no Cosmos parece ter de se tornar mais e mais diluído, distribuído por igual, em toda parte“. Nós, com a bagunça.

Menos elegante, digamos, mas um reflexo da nossa existência imperfeita sem princípios elementares, como os que regem os planetas e a imensidão que os separa.

“The world is a dynamic mess of jiggling things, if you look at it right.”

Agora volte para a Terra, sinta os pés no chão. Na vida cotidiana, a desordem preenche espaços sem encontrar resistência; sua viscosidade de gosma não a impede de se meter em frestas que deixamos abertas porque não sabemos bem como tapar.

Pense em sentimentos rotos, relações de gangorra, planos inacabados ou mesmo coisas largadas. Tem tudo isso, e tem muito mais. A bagunça não acontece, ela é.

É uma senhora dona de si e de caráter forte, que encontra um jeitinho de participar, onde, quando e com quem for. Ela se diverte com o nosso embaraço por causa da sua presença de matrona, que tudo vê e em tudo se intromete.

Mas faça-se justiça, toda matrona, por mais que o seja, quer bem aos seus. A bagunça tem um quê de bonachona, que ajuda sem estender a mão como gesto. Leva tempo até você se acostumar.

Pessoas de pensamento revolucionário dividem suas vidas com ela. Os cadernos de história estão povoados de fotos em que personalidades da ciência, da cultura e de outras áreas do conhecimento aparecem atrás de mesas abarrotadas ou rodeadas de livros empilhados no chão e em estantes a ponto de ceder.

Mesa do escultor Alexander Calder

A bagunça, apesar da impertinência, inspira. Aceite-a como a matrona que é, entre no seu jogo, e a convivência te ajudará a amadurecer ideias, a aproveitar o que parece fora de lugar e a rever conceitos e perspectivas.

“They found that people in messy rooms drew more creativity and were quicker at solving creative problems.”

5 Reasons Creative Geniuses Like Einstein, Twain and Zuckerberg Had Messy Desks – And Why You Should Too

Um baralho em ordem é fácil de decifrar. Misture as cartas e um novo mundo se abre. Ou reordene as letras desta frase e você terá um dicionário de bolso. A bagunça transforma se for bem compreendida.

“Messy disruptions will be most powerful when combined with creative Skull. The disruption puts an artist, scientist or engineer in unpromising territory – a deep valley rather than a familiar hilltop. But then expertise kicks in and finds ways to move upwards again: the climb finishes at a new peak, perhaps lower than the old one, but perhaps unexpectedly higher.

As long as you’re exploring the same old approaches, Brian Eno explains, ‘you get more and more competent at dealing with that place, and your clichés become increasingly clichéd’.

But when we are forced to start from somewhere new, the clichés can be replaced with moments of magic.”

Messy: the power of disorder to transform our lives, de Tim Harford

 

Mergulhe de cabeça numa boa relação com ela. Não tenha medo de se apegar. Aposte. Compreenda-a e a aceite como é, por mais que te irrite ou custe às vezes demarcar limites.

A bagunça tem beleza própria, Artur, um brilho que pode se revelar não em sua aparência, mas nas respostas que ela dá a muitas de nossas dúvidas mais frívolas e profundas.

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