Som e fúria

O universo tem um rádio poderoso de origem misteriosa e localização desconhecida, Artur. As ondas que ele transmite navegam à velocidade da luz através do espaço, alimentadas por uma energia equivalente a 500 milhões de sóis, sem que se saiba ao certo o conteúdo que transportam.

Eu gosto de pensar que estamos diante de uma transmissão interplanetária com informações atualizadas sobre as condições de temperatura e clima do universo para facilitar a vida de viajantes estelares ou que um extraterrestre, entediado de tanto olhar para as estrelas sem nelas encontrar alguém com quem conversar, assim como acontece conosco aqui na Terra, esteja desesperadamente tentando estabelecer contato. Um dia após outro, sem se abater.

Os cientistas, no exercício inconsciente de sua racionalidade comprometida, apostam fichas em outras hipóteses mais autênticas, menos ingênuas que as minhas, Artur.

The question was, what causes them? Researchers sketched dozens of models, employing the gamut of astrophysical mysteries — from flare stars in our own galaxy to exploding stars, mergers of charged black holes, white holes, evaporating black holes, oscillating primordial cosmic strings, and even aliens sailing through the cosmos using extragalactic light sails. For scientists, the FRBs were as blinding as flash grenades in a dark forest; their power, brevity and unpredictability simply made it impossible to see the source of the light.

Por Katia Moskvitch, para Quanta Magazine

Uma terceira suposição minha é de que este talvez seja apenas o jeito estranho de o universo se comunicar. Ele pode estar gritando, a pulmões inflados, para todos ouvirem. Um grito necessariamente intenso, amplificado pelas transmissões do rádio misterioso, porque o universo é um infinito que se expande.

Tudo porque a comunicação é capciosa. Você precisa de um emissor, um receptor e um meio, que pode ser o ar, a energia ou um gesto, por exemplo. Para atrapalhar, surgem as interferências, os ruídos, as interrupções. Comunicar-se de um jeito estranho é compreensível, daí minha crença de que assim seja com o universo.

O universo visto com “olhos” de rádio

Você, Artur, quando pretende dizer não às vezes grita ou chora de estalo — e o “não” é justo o que nunca sai de sua boca nem chega aos meus ouvidos ou aos da tua mãe. É o seu jeito estranho de se comunicar.

Eu também tenho um. Perdi a conta de vezes em que meu coração quis ser claro com a sua mãe, mas as palavras que ela ouviu soaram estranhas, como as de um estrangeiro desorientado em uma esquina de movimento. Ou as situações em que, decidido a destapar meus sentimentos, calei-me de um giro. As palavras se perdem dentro de mim antes de escaparem pela boca. E se chegam a conquistar o mundo, são outras porque envelheceram no caminho.

“Cada um de vocês possui o traço mais poderoso, perigoso e subversivo que a seleção natural já projetou. É uma parte da tecnologia áudio-neural para reprogramar as mentes das outras pessoas. Eu falo da linguagem, é claro, pois ela permite implantar um pensamento de sua mente diretamente na mente de outra pessoa, e elas podem tentar fazer o mesmo com você, sem que nenhum de vocês tenha que fazer uma cirurgia.

Em vez disso, quando você fala, está na realidade utilizando uma forma de telemetria não muito diferente do controle remoto da sua televisão. Só que, este dispositivo utiliza pulsos de luz infravermelha, sua linguagem utiliza pulsos, pulsos discretos, de som.

E assim como você utiliza o controle remoto para alterar ajustes internos da televisão para ajustar-se à sua vontade, você utiliza sua linguagem para alterar os ajustes do cérebro de outra pessoa para ajustar-se aos seus interesses. Linguagens são genes falando, conseguindo o que querem.”

Biólogo Mark Pagel, para o TED

Teremos nós dois, Artur, situações em que não saberemos o que dizer um ao outro. Situações em que saberemos, mas não diremos. Ou diremos sem saber. Ou ainda, não diremos por conveniência. Nossos jeitos estranhos de comunicar vão se trombar, com som e fúria, nas tentativas de nos fazermos ouvir, apesar das interferências, dos ruídos e das interrupções.

Buscarei que o meio da nossa comunicação seja o amor, em vez do vazio que domina o universo. E que as ondas de nossas transmissões se revelem igualmente poderosas e cheias de energia para vencermos as distâncias espaciais.

Já não será o caso de olhar para as estrelas em busca de alguém que me responda bem lá de fora, se aqui bem do lado estiver você. E se isso acontecer, se conseguirmos sintonizar nossas frequências, quem sabe aprenderei a fazer melhor uso do meu jeito estranho de comunicar.

Deixe um comentário