Como seria, Artur, se pudéssemos assumir o controle da vida – ou ao menos prever o que está prestes a acontecer?! Que escolhas de vida faríamos?
A resposta pode estar nas próximas linhas.
O jogo das escolhas de vida
Na minha pré-adolescência, eu conheci o Jogo da Vida, um clássico dos tabuleiros inspirado na vida adulta criado em 1860. E qual criança não quer entrar de uma vez na vida adulta para fazer tudo o que não deixam?
Por você, Artur, nós ressuscitamos o Jogo da Vida da casa da sua avó. Ele cheirava a coisa guardada, esquecido nas sombras de um móvel que nenhuma criança abria mais. Você foi lá xeretar e tomou gosto pela coisa, pedindo para jogar com quem estivesse disponível.
Talvez fosse um pouco cedo para você, que ainda tinha quatro anos. Ainda mais porque como vimos o quanto você se divertia com as regras, os dados, a roleta e as notas de dinheiro.
Mas que fique apenas na brincadeira. O Jogo da Vida lembra a história resumida de muitas pessoas. Gente que, ainda jovem, desistiu de viver realmente e hoje se parece com os pinos no tabuleiro, que vão para frente e para trás sem movimentos próprios. Acontece.
Uma vida assim é embalada como o Jogo da Vida, em que na caixa de papelão decorada com frases de efeito você encontra dentro um manual com as instruções bem explicadinhas para não errar ou sair da linha.
Tudo tem o seu preço
Nesse jogo, tudo vem pronto – tem a língua complicada dos adultos, com palavras cheias de pompa como “hipoteca” e “juros”, o montinho de dinheiro e a dinâmica de que giramos em torno de uma existência pré-fabricada. Imagine o que quer ser, conquiste propriedades e pronto. Tenha sucesso para ser feliz!
As regras são igualmente mundanas: escolha uma profissão, tente a sorte na roleta e veja no que dá. O Jogo da Vida é fácil de jogar.
O que fica difícil de refletir na sua idade é que, nessa vida marcada, nenhum prato de comida vem de graça. Tudo tem o seu preço porque tudo é material.
Mais ou menos o que acontece se nos deixamos levar pela correnteza da vida fora do tabuleiro. A partida começa na escola, passa pelo vestibular, atravessa a faculdade, avança nos estágios e desemboca nas firmas em que o trabalho é, em geral, mal remunerado. Pouco sal para muita batalha.
Dê ouvidos ao seu instinto
Podemos então ter o controle da vida? Sim, e sem nenhuma mágica. A questão é: vale a pena?!
Você pode se prender estritamente às instruções que recebe. Mas o espírito jovem em geral se cansa delas, como penso que acontecerá com o seu.
Dê ouvidos ao instinto, deixe aos outros a diversão de uma vida previsível até a última casa. Tente fazer diferente, escolha melhor suas causas, vista-as com zelo e chame para brincar com você quem queira se enriquecer de sentimentos e memórias, não de dinheiro e posses.
Que o seu tabuleiro não venha pronto, mas que se desenhe no momento. E que a sua roleta, muito maior e com mais possibilidades, gire de verdade. Inspire-se em jogos da vida mais estimulantes, como o do autómato celular criado pelo matemático britânico John Horton Conway.
O Jogo da Vida que você ressuscitou sempre terá o cheiro do passado porque a ideia de vida que ele traz à mesa envelheceu com ele. A sua apenas começou, com muitas casas para avançar ou retroceder – ou cruzar – sem a necessidade de um manual, apenas de decisões.
E se quiser dar nome ao seu jogo, que tal Escolhas de Vida? Nada criativo, embora mais coerente do que Jogo da Vida.