Dois irmãos

Irmãos Posêidon, Zeus e Hades. Caim e Abel. Jacob e Wilhelm Grimm. Roy Oliver e Walt Disney. Yaqub e Omar. Dimitri, Alieksiêi e Ivan Karamazov. Sonny, Fredo e Michael Corleone. Beverly, Eveanna, Kenyon e Nancy Clutter.

Todos eles irmãos, Artur. De épocas e famílias diferentes. Histórias que você vai conhecer, e pelas quais irá se apaixonar. Como eu fiz, pois foi daí que aprendi o pouco que sei de irmãos de sangue.

Eu os observo com fascínio porque a minha criação de filho único foi rodeada de adultos. Mas preciso contar a verdade a você: meu meio-irmão existe, e nunca nos vimos; apenas nos falamos brevemente por telefone há pouco tempo, sem muito o que dizer e ouvir.

Os meus irmãos nasceram de amizades, talvez a base mais sólida de uma irmandade. Eles têm seus irmãos de certidão, e a mim por escolha. E entre nós aprendemos muito, como a dizer que amamos, a entender a hora de deixar todo o resto de lado para estar ao lado e a agradecer pelo trabalho do acaso.

Irmãos de sangue

Do que eu percebo, irmãos de sangue desenvolvem dinâmica própria, muito oscilante como o coração com as emoções. Minha mãe e tio não se falam, por exemplo. Ao mesmo tempo que se amam pelo laço e pela convivência, irmãos de nascença também chegam a se odiar pelas mesmas razões.

Riem juntos, mas podem chorar em separado. A convivência só deles é como um vidro translúcido através do qual enxergamos sem ver.

“Ele teve que engolir o vexame. Esse e outros, de Yaqub e também do outro filho, Omar, o Caçula, o gêmeo que nascera poucos minutos depois. O que mais preocupava Halim era a separação dos gêmeos, “porque nunca se sabe como vão reagir depois…”. Ele nunca deixou de pensar no reencontro dos filhos, no convívio após a longa separação.”

À distância, a irmandade é a diferença que cabe na semelhança, sem espaço para a monotonia. Irmãos crescem sob o mesmo teto e riem das mesmas chacotas de família. Mas sem perceber se cumprimentam já adultos separados por medos e pontos de vista inconsoláveis.

Acontece todos os dias, em todas as famílias. No meio de tudo, pais que deram a mesma educação tentam se orientar entre os polos, mais por amor cego do que pela razão.

 

Pai no plural

Talvez por essas observações eu sempre tenha sentido medo de ser pai no plural. Sinceramente, um temor roteirizado na minha cabeça, cuja cena de abertura poderia ser esta:

ALMOÇO DE DOMINGO.

COMIDA SOBRE A MESA A FERVILHAR.

JANELAS ABERTAS E LUZ EXTERNA ABUNDANTE.

PAI SENTADO DE FRENTE PARA A MÃE.

ELES SE OLHAM CADA QUAL EM LATERAIS OPOSTAS DA MESA RETANGULAR.

FILHOS DO CASAL EM CADA CABECEIRA, SEUS OLHARES DESVIADOS.

O SILÊNCIO TOMA CONTA DO AMBIENTE.

Consegue visualizar, Artur?

Dois irmãos em silêncio no almoço de domingo, sentados um de frente para outro sem se encarar, e entrincheirados em cada ponta da mesa.

Chame-me de pessimista ou dramático se quiser. Talvez cego porque seguramente existe candura entre irmãos. Estou para ver. E mais agora, bem de perto como jamais pude prever, porque temos um novo personagem nas nossas histórias: o Bento é um de nós! 😉

 

Seu irmão Bento

Você ganhou um irmão de sangue, Artur. Um feito que te destrona enquanto te eleva. Vocês se conheceram no primeiro dia de vida dele, quando a pele roxeada do Bentinho ainda conservava restos de placenta.

É um começo promissor de puro instituto animal de duas criaturas paridas do mesmo ventre. Ou acha coincidência a sua mania de cheirar o Bento como um cão perdigueiro?! E a dele de se contorcer para te manter à vista?

Vocês têm o mundo para desconstruir juntos. Peça a peça, fantasia a fantasia. Uma oportunidade de se darem as mãos nos parquinhos, nas viagens e nos encontros em família. Artur e Bento. Bento e Artur. Dois que podem ser quatro ou mais, sempre e quando desejarem estar juntos.

 

Filhos meus

Incrível que eu, na condição de filho único, tenha agora a oportunidade de assistir de perto ao desenvolvimento de dois irmãos filhos meus. Um desafio e tanto: mais do que curtir da janelinha, terei às vezes de cutucar feridas. Teto de vidro que seguramente se romperá com o meu peso se antes você e o Bento não fortalecerem a sua relação.

Vocês não podem se perder um do outro para a sua cumplicidade incondicional da infância, como na hora de escalarem uma árvore proibida ou de se defenderem na escola, amadurecer com o tempo. No geral, a relação entre irmãos começa íntima mas perde a espontaneidade.

Mas façam diferente entre vocês; que a sua parceria apenas cresça com a idade, como deveria ser. Ou seja, melhores irmãos constroem muros baixos em torno de si, apenas para demarcar o território mas à medida para serem pulados.

Almoço de domingo

Voltemos à cena do almoço de domingo, mas desta vez com um outro roteiro.

ALMOÇO DE DOMINGO.

COZINHA. FILHOS DÃO OS ÚLTIMOS RETOQUES NA SALADA ENQUANTO PÕEM A CONVERSA EM DIA.

SALA DE JANTAR. MÃE E PAI SENTADOS LADO A LADO COMEÇAM A SERVIR OS ALIMENTOS PARA OS FILHOS.

FILHOS DEIXAM A COZINHA AOS RISOS. SENTAM-SE À MESA.

PAIS SE SERVEM.

ALEGRIA E DESCONTRAÇÃO DOMINAM O AMBIENTE.

Consegue visualizar a diferença, Artur?

Você e o Bento riem juntos na cozinha, enquanto finalizam a salada. Eu e a sua mãe, à espera na mesa, sentimo-nos à vontade para servi-los. Nesta cena, estamos todos reunidos em família.

Não a família Doriana, mas uma em que vocês se querem bem apesar das diferenças. Neste roteiro adaptado, não há trincheiras, mas cadeiras coladas, encontrões de braços e caldos entornados, como em um bom almoço à italiana.

1 comentário em “Dois irmãos”

Deixe um comentário