Vote nos filhos

Spoiler, meninos: este “vote nos filhos” é um textão sobre política.

Mas escrito com amor.

O meu coração sempre me pede para eu votar com a razão de pai. Eu vejo vocês na fotinho da urna, Artur e Bento, não os candidatos carrancudos.

Os números que eu digito do meu voto são como coordenadas do nosso destino. Nenhum pai pode ser inconsequente na hora de apertar os botões.

Ainda mais agora. O momento é de consternação e lamento, de esperança e medo, de olhar para o futuro e ver o passado. O Brasil em que vivemos hoje, meninos, é um país enviesado e torto como o caule sem guia de uma planta jovem, que pende para o lado forçada pelos ventos fortes soprados de direita já há algumas estações.

Muito do que tento dizer a vocês que não está certo, como são o preconceito, a apologia à violência, a intolerância e a mentira, caíram no gosto do povo, que se perfila para dizer nas urnas com o voto que tudo isso junto pode levar o país adiante, quando, em realidade, é o contrário.

Vote nos filhos: a política do voto

A política, que vocês desconhecem, é talvez o exercício mais elaborado da complexidade humana. Na democracia em que vivemos, um candidato sem realizações ao longo de mais de 20 anos recebe voto. E desponta como possível presidente do país. Sua campanha gerou uma onda de indignação – e outra de adesão incondicional como voto de catarse – aglutinada em torno da hashtag #EleNão.

Um candidato que nada diz, mas a muitos ofende. E quem jamais votará nele por discordar da sua agressividade e platitude deve aceitá-lo mesmo assim como candidato porque este é o princípio elementar da democracia.

Neste sistema político, um candidato deste tipo pode vencer e desviar a vida da população para o mesmo rumo das rajadas de direita. O nosso caule já envergou infelizmente, projetando uma sombra. E a beleza da democracia é que um dia o pendor pode mudar de lado se os sopros de esquerda voltarem a ser constantes.

Vocês dois têm tempo ainda para aprender sobre a política e sentir qual vento, de centro, de esquerda ou de direita, menos incomode os seus sentidos.

Mas lembrem-se: depois de decidirem tenham em perspectiva que o clima – e voto – nos países e nas cidades sempre muda, como acontece em alto mar com a direção das correntes de ar obrigando os marinheiros a retraçarem suas rotas.

Mantenham-se no rumo de suas convicções. Sejam coerentes mesmo diante de rajadas na contrária, mas também abertos a outros pontos de vista. No oceano da convivência, as velas se inflam de um lado. Mas de outro no instante seguinte. E vocês precisam manter os olhos abertos para desviarem dos navegantes de outras bandeiras no caminho.

“Minha intenção foi mostrar que aquilo que indivíduos fazem no cotidiano pode parecer pequeno diante da história, mas não o é. Escolher agir segundo a ética da profissão pode impedir que um regime autoritário se imponha. Queria dizer às pessoas que elas têm mais poder do que pensam.”

Direita ou esquerda

A minha escolha, meninos, sempre foi pela esquerda. A percepção que tenho é de que os movimentos e partidos de esquerda são mais sensíveis – e dedicados – às necessidades de quem tem necessidades. Vejam, excessos e omissões sempre existiram, mas para mim a balança continua inclinada para este lado.

Ser de esquerda ou direita é uma escolha que acontece naturalmente conforme crescemos e nos identificamos com determinadas posições. Não acredito que exista o centro, mas muitas pessoas dizem estar no meio – ou levemente para a esquerda ou direita.

O que acontece se vocês seguirem pelo lado aposto ao meu? Nada. Como nada deve acontecer quando encontrarem e conviverem com pessoas que pensem diferente de vocês.

O Brasil hoje está intolerante e rarefeito porque perdemos o respeito pela opinião, sem lembrar que a democracia supõe o diálogo e a diversidade.

Não se deixem intimidar se tentarem silenciar vocês, meninos. Exponham suas convicções, tentem ser coerentes e mudem se acharem que é o caso. Nos tempos de hoje pode parecer inútil ou cansativo defender o que parece indefensável, mas esse é a entrega pessoal da democracia.

Limite das coisas

Na história recente do nosso país, as elites testaram de tudo. Uma luta contra os marajás pela retenção das economias de todas as famílias – ao menos das desavisadas que tinham suas economias aplicadas nos bancos –, as privatizações sem redistribuição de renda, a reeleição para benefício próprio no curso do próprio mandato, a edição do debate político e o golpe vestido de impeachment, para ficarmos em alguns exemplos.

A elite brasileira é assanhada, ensimesmada, autorreferente e dona de si e do Brasil. Quando vocês tiverem olhos treinados, meninos, vão perceber que aqui a elite é deslumbrada consigo mesma e sua riqueza, sem o menor requinte ou educação que se deveria esperar de quem folheou um dia os melhores livros.

“Os ricos acreditam que poderão se proteger sozinhos do impacto ambiental gerado pelo neocapitalismo selvagem. Há uma guerra contra a democracia porque o sistema, cada vez mais, está construído para servir às elites, e isso se choca com a democracia real, porque há muito mais gente com menos proteção…”

Do outro lado, a esquerda que tanto esperou para conquistar o poder se perdeu com ele, desviando para si o que deveria entregar aos mais carentes. Bem que tentaram uma redistribuição, e fizeram como nunca no país. Mas quem cobra o exemplo deve se agarrar a ele, sem frequentar os mesmos salões antes exclusivos à elite.

Tudo tem limite, meninos. Daí outro exercício da democracia: a autocrítica. Eu faço a minha diariamente até o limite da razão, ou seja, por mais que reconheça os excessos – e são muitos – da esquerda, como a corrupção, eu jamais usarei tal argumento para apoiar o que hoje o candidato Jair Bolsonaro prega – porque é isso, nada mais do que pregação populista.

Se a corrupção é o argumento, nenhum partido hoje no Brasil merece votos. Muito menos o dele, uma agremiação nanica e obscura resultado do nosso multipartidarismo oportunista. Quem usa a corrupção da esquerda para justificar seu voto no extremismo de direita está, em realidade, sendo hipócrita ao não assumir que, lá no fundinho do coração, compactua com o que há de pior da humanidade.

E tudo, repito, tem limite.

 

Manual de sobrevivência

A política é também o desafio de tentar encontrar o equilíbrio entre a paixão e o desapego, uma escola de como dosar as convicções mais íntimas com as urgências do outro. Exige aprendizado e prática, tanto nas discussões de fato políticas como no convívio do dia a dia, em que nossas decisões e atos devem se adaptar às objeções que vierem.

Permitam-me, meninos, sugerir a vocês um manual de sobrevivência na democracia:

  • Estudem sobre o que ela supõe. Muito.

https://youtu.be/Wp-WAaQ_tlI

  • Leiam o que conseguirem sobre política, sem comedimento ou preguiça.
  • Reflitam sobre as diferenças e a desigualdade. Abram os olhos, meninos!
  • Escutem o outro em silêncio. Deixem que fale sem interromper.
  • Construam argumentos com responsabilidade e jogo limpo, defendendo-os sem impor.
  • Jamais tentem convencer ninguém, apenas compartilhem seus pontos de vista.
  • Não se abalem se suas opiniões forem as da minoria. Acalmem o coração e lembrem que a democracia se renova.
  • Respeitem. Respeitem. Respeitem. Exijam o mesmo em troca.
  • E respirem fundo.

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