Nosso tempo presente

Há algo sobre mim que você precisa saber, Artur: careço de viver o presente, o fugaz agora que entretém os sentidos, esvazia a memória e contém a ansiedade pelo futuro.

Eu, seu pai, tenho severa dificuldade em estar simplesmente, sem me autoinflingir pelo que fiz e deixei de fazer ou cair na besteira de tentar antecipar o por vir. Esse é um mal de personalidade um tanto irritante, como uma coceira que aparece quando bem entende e que até sossega com roçadas de unha em dias bons, mas invariavelmente deixa vermelhidão e bolhas na sensível pele da consciência.

Isso de não ser passado nem futuro, de estar bem no centro entre os dois, é uma tentativa humana de nos situarmos no tempo e, a partir disso, darmos um significado – mínimo que seja – à existência. Mas acontece que o caminho que o tempo segue, já te contei, é um mistério incrível que testa a ciência.

Albert Einstein disse o seguinte, após perder um grande amigo:

“For us believing physicists, the distinction between past, present and future is only a stubbornly persistent illusion.”

T.S. Eliot, por sua vez, fez do tempo presente inspiração de um poema:

“Time present and time past
Are both perhaps present in time future
And time future contained in time past.
If all time is eternally present
All time is unredeemable.
What might have been is an abstraction
Remaining a perpetual possibility
Only in a world of speculation.
What might have been and what has been
Point to one end, which is always present.
Footfalls echo in the memory
Down the passage which we did not take
Towards the door we never opened
Into the rose-garden. My words echo
Thus, in your mind.(…)”

Quem sou eu para tentar explicar o que parece inexplicável. O que tento fazer desde o seu nascimento, que torceu a frio a minha perspectiva das coisas, é viver de fato o momento presente.

Imagine estar com muita sede, ter um copo cheio de água saborosa e geladinha à frente e não agarrá-lo. Este sou eu toda vez que tento extrair o sumo das experiências: a vontade de beber do passado ou do futuro imaginável é muito grande.

No dia em que exploramos aquela lagoa juntos em um caiaque, de uma margem à outra, muitas voltas no meio, foi diferente. A começar porque caiaque, para mim, também era novidade. E caiaque com o meu filho, uma novidade ainda maior.

Remando atrás de você observando a sua alegria em pousar a mão pequena na água, com o vento tocando nossos rostos e o silêncio interrompido apenas pelos sons da natureza, como um pássaro que jamais saberemos qual era ou o rugido de uma criatura das matas, remando atrás de você eu tive o meu tempo presente.

Como poucas vezes, senti, ouvi, olhei e respirei cada segundo desta nossa aventura juntos. Consegui estar ali simplesmente, ausente do passado e distante do futuro. Você, e a sua atitude de criança, manteve-me onde eu deveria – e queria – estar. Se flutuei alegre sobre a lagoa, você me ancorou no agora.

Lembranças a gente guarda com emoções, sabores, sons, odores e outros estímulos que cutucam o nosso consciente. Mas só as memórias autênticas – as que resultam de momentos em que realmente estamos presentes – duram para a vida.

Como a memória que guardei do nosso passeio na lagoa.

Eu desejei permanecer no caiaque como raras vezes quis algo. E creio que você também, tão interessado pela natureza que vimos e concentrado em pedir para eu cambar à esquerda ou à direita ou manter a navegação em linha reta para o nosso tempo presente durar mais.