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Altos e baixos

Eu trabalhei durante alguns anos em um edifício em que um senhor, sozinho e sentado em um banco menor do que ele preferiria se lhe dessem uma oportunidade, resistia às pressões da evolução do mercado de trabalho e das novas tecnologias da indústria de elevadores, concebida em Coney Island por Elisha Otis em 1851.

Todos os dias sem falta ele apertava seus botões pacientemente – às vezes com gestos muito lentos como se sua única intenção fosse irritar os mais apressados, e talvez o fizesse de verdade –, de modo a conduzir seu elevador para cima e para baixo, recebendo e deixando pessoas nos andares daquele edifício de meia altura em uma cidade com ambições cada vez mais vertiginosas.

Manhã e tarde eu via o senhor cumprir metodicamente sua jornada de trabalho, guiando-me pelas alturas ou me levando para o térreo com sua expressão indiferente, salvo poucas ocasiões em que retribuía meus agradecimentos com um movimento de canto de boca quase imperceptível, gesto que, se bem me lembro, estava mais para um espasmo de irritação do que para uma tentativa de sorriso.

Aquele senhor era um ascensorista caricato. Seu gestual enrijecido de quem se deixara transformar em mais uma peça da mecânica de funcionamento do elevador, os olhares que ele evitava, toda a sua presença apagada despertava nas pessoas que ainda o reconheciam como um semelhante certas reflexões sobre o desencontro entre profissões terminais como a sua e as transformações em curso nas ruas.

Mas todos os dias sem falta ele apertava seus botões pacientemente. Jamais lhe perguntei nada que me ajudasse a ligar mentalmente os pontos de sua vida ou a entender os altos e baixos pelos quais passara sem que fosse ele o ascensorista. O que tento dizer é que ele estava ali, não mais do que isso para mim e para os outros que lhe ditavam os andares em que desejavam descer.

Após anos sem me lembrar da sua existência, voltei a vê-lo sentado na mesma posição e mais envelhecido no dia em que fui a uma consulta médica naquele edifício. O elevador me transportou desta vez ao passado, uma viagem curta em que ele foi meu acompanhante silencioso e indiferente mais uma vez. Como nos velhos tempos. Eu mudei, mas foi como se não. E ele nem sequer me concedeu o movimento de canto de boca.

Todos dizem que a vida é incrível, que devemos buscar a tal felicidade. Quem sabe, mas também acontece de ela se repetir no que pode ser uma rotina confinada em um elevador, o que não faz do nosso ascensorista uma pessoa melhor ou pior. Se alguém teve ou tiver a oportunidade de ouvir sua história, saberá identificar momentos alegres, sabedoria, tristeza e todos os demais componentes de uma existência igualmente estimulante.

Quem somos para deduzir que um senhor que leva anos em um elevador, por mais carrancudo que seja, tem uma vida sem vida só de observá-lo em sua ocupação? E se a sua magia está fora daquela caixa metálica quando já não o vemos porque jamais nos interessamos em saber um pouco mais dele? Ascensoristas também amam, como o fazem todos que, por mais indiferentes ou aborrecidos que pareçam, têm sim um mundo de histórias a contar.

Tendemos a confundir a complexidade de uma pessoa com o número de viagens que ela fez, faz ou fará, com a quantidade de supostos amigos em suas redes sociais ou os andares que subiu na carreira. Balela. Acredito cada vez mais que a única certeza que podemos ter ao olhar para alguém é que ali há um multiverso a explorar. Você vai expandir o seu, como bem entender e sem se rotular por isso, com os altos e baixos só seus.

E se um dia encontrar um ascensorista, diga-lhe que mandei um abraço.

lelecoms

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