O cinema é uma das manifestações e experiências culturais mais incríveis que já inventamos, Artur. Na tela branca diretores projetam medo, amor, repulsão, esperança, ódio e toda uma mescla de sentimentos que precisam extravasar, preenchendo a sala escura com sons, enquadramentos e diálogos inspirados no dia a dia de cada um, mas que só na sessão de cinema ganham a solenidade capaz de prender a nossa atenção.
A indústria do cinema é irrequieta e muito produtiva. Há filmes para todos os gostos e idades, e há aqueles imunes ao sopro do tempo porque são universais e imperecíveis, baseados em roteiros que condensam em cerca de duas horas reflexões que tomariam horas de mesa de bar.
Um exemplo recente é a A Chegada (2016). É certo que jamais será um 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968).
Muito menos será um O Poderoso Chefão (1972).
Ou um Bonequinha de Luxo (1961).
Mas A chegada é um filme que jamais esquecerei, e que estarei de prontidão para vê-lo com você quando chegar a hora. Porque este é um filme sobre alienígenas. Sobre ciência. Sobre amor. Sobre altruísmo.
Mas o que é altruísmo?
Na letra fria do dicionário Houaiss, altruísmo é:
O trecho mais importante aqui é: “evitando-se assim a ação antagônica dos instintos naturais do egoísmo.” Altruísmo tem disso, Artur, o poder de conter a nossa inclinação inconsciente de borrar o outro da nossa visão e atos.
Onde tem altruísmo? Onde encontrar?
O altruísmo está dentro de cada um, mas se dilui no sangue com a idade, desaparecendo por completo em algumas pessoas, que ganham uma imunidade para toda a vida.
É de cada um querer ou não esta característica. Muitas pessoas de fato se sentem mais seguras e aliviadas de caminhar por uma rua ou sentar em uma sala de cinema conscientes de que não estão sujeitas aos efeitos do altruísmo.
Para elas, a vida, que já é carregada demais, seria insuportável com o compromisso adicional (porque altruísmo é isso, um compromisso) de expressar diariamente “amor desinteressado ao próximo”.
Altruísmo, nos dias de hoje, é como aquele último exercício da série na academia que as pessoas, já exaustas, nunca chegam a praticar porque não veem prejuízo em aboli-lo.
Mas, atenção. Você jamais completará a série de cidadania e convívio social se não for até o final de toda a sequência, incluindo o altruísmo, talvez o movimento que menos pareça definir o seu biotipo social, mas que é indispensável para o desenho de sua compleição como indivíduo.
A chegada de um filho, e o amor que cresce
– Tá, mas o que isso tem a ver com o filme? – você me perguntará, Artur. Tem muito a ver porque é o altruísmo que move a protagonista, que a faz praticar com todas as suas fibras o “amor desinteressado ao próximo”, o mesmo tipo de amor que tento, segundo minhas forças e limitações de caráter, praticar com você e com estranhos.
O mesmo tipo de amor que leva a protagonista a tomar uma das decisões mais duras, envolvendo maternidade, vida e morte. E o que é pior: sabendo de antemão, como quem vê o futuro, de que maneira cada uma delas mudará sua vida.
Mas teremos de ver juntos, numa sessão só nossa, como tudo acontece em A Chegada. E, só então, refletiremos sobre o roteiro, quando também te direi porque eu faria tudo igualzinho, como a protagonista fez, sabendo que seria com você, Artur, que eu estaria conversando sobre estes assuntos.