Eu estava vendo o vídeo abaixo no celular, quando você, de rabicho de olho, disse-me:
– Que moça bonita, né, papai? E que dança legal.
O queixo caiu, quase o celular.
Sua sensibilidade espontânea de criança que vê a beleza, sem mais ou menos, foi como um tapa de mão cheia. E aberta. Fiquei por segundos estático, lábios descolados, uma inação que você retribuiu com um dar-de-costas para se divertir por aí.
A dança é como um passarinho radiante no céu – a gente se apega aos movimentos do voo até o bichinho virar um pontinho do tamanho de um grão de areia e desaparecer.
A dança rouba o olhar. Eu, por exemplo, sigo as mãos da dançarina do vídeo, o sobe e desce, o vai e vem, as idas e vindas, o toque delicado no cimento frio. As mãos, Artur, viram extensões da dança.
Também os pés.
Ou as mãos e os pés.
https://www.youtube.com/watch?v=7lvsBBNV-U4
E se vamos além, a dança pode ser o corpo que gira, sapateia e seduz.
Mas que tal brincarmos de imaginar a vida como uma dança?
Tem de ter música de fundo, e tem – da correnteza de um rio que cruzamos, das ondas quebrando na orla ou da voz de quem você ama -, mas há o silêncio também, como há – do quarto escuro em que a gente se esconde, das palavras não ditas ou dos sentimentos sufocados.
A vida, como a dança, tem coreografia. Vamos de um lado a outro do tablado – um dia amamos, no outro enrijecemos de tristeza. Ou como você faz, de dizer sim agora e se agarrar aos “nãos” em seguida.
Viver requer aprendizado, técnica e disciplina, e boa dosagem de sensibilidade e graça. E à medida que o espetáculo avança, fortalecemos músculos, alongamos tendões e encontramos o ritmo ideal.
A sua dança terá atos de maior explosão, em que você não conseguirá conter a energia e contagiará a plateia. Talvez isso seja a tal da felicidade reverenciada pelas massas, mas tenha em conta que a autêntica felicidade, que é espontânea e livre maneirismos, dura poucos movimentos na dança da vida.
Muitos dos teus atos, por outro lado, serão mais sombrios, a pura expressão de sentimentos considerados menos nobres pela sociedade atual – mas indispensáveis para você se descobrir -, como a melancolia, a nostalgia e a tristeza.
Uma vez no tablado, e você leva quase quatro anos sobre ele, talvez o mais importante seja manter a capacidade de se sentir, à parte do que aconteça à volta e das reações da audiência. Afinal, só você saberá expressar os sentimentos a te conduzir.
E que isso jamais deixe de ser divertido bem no íntimo, assim como a brincadeira nossa de imaginar a vida como uma dança – que deve emocionar, acima de tudo, pela leveza que você der ao seu ritmo.
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