Foi uma cena comovente e reveladora:
— Papai, eu não quero ir embora da pousada. Eu quero ficar aqui para sempre.
Você disse estas palavras com olhar fixado no gramado, como se o verde felpudo do jardim fosse tudo o que precisasse para crescer. Naquele instante, percebi que o bicho do apego tinha te picado.
Pudera. Estávamos de visita à Natureza, muito bem acolhidos, mimados pela beleza do local e alegres de estarmos em meio a tantos novos amigos, como os peixes saltitantes da lagoa, a coruja desconfiada da noite, os esguios quero-queros e muitos outros que vieram nos ver por recíproca curiosidade.
Voltar para casa já não era uma escolha, mas uma decisão de pais adultos à qual valia a pena se opor. Você se plantou valentemente, com expressões fortes de corpo e fala. Você queria permanecer ali, como uma águia no topo da montanha a observar seus domínios.
Você se apegou ao que era de se apegar. Ao real que já tinha diante — os pais que aprende a amar e aceitar, à grama felpuda, ao momento em família e à vontade de dar continuidade. E o fez na medida porque quem se apega tende a exagerar. É quando o ficar-ficar vira ficar-para-ficar, sem concessões ou meias opções.
Com o tempo, infelizmente, perdemos o equilíbrio. A águia já não se satisfaz com o topo da montanha — ela necessita dar o salto, mas em vez de sentir o voo como bem fazia quando jovem, lança-se como se já estivesse a centímetros do chão, com as garras prontas para o ataque porque se apegou à ideia do próximo bote muito antes de dá-lo.
Na vida, apegar-se vira um hábito viciado. O que deveria agir para o bem se corrompe em apego pelo apego. Faz você ganhar peso, perder altitude e estagnar no chão. A ironia é que precisamos reaprender o que sabíamos de pequenos.
Na vida adulta, chegamos a um ponto de tanta carga acumulada que nos cansamos e percebemos que devemos limpar a casa, avaliar o que de fato devemos manter dentro. Pode ser objeto, sentimento ou lembrança.
Bruce Lee, que imagino você gostará de conhecer, refletiu sobre isso com um professor seu:
“This was exactly what Professor Yip meant by being detached — not being without emotion or feeling, but being one in whom feeling was not sticky or blocked. Therefore in order to control myself I must first accept myself by going with and not against my nature.”
Bruce Lee, em Bruce Lee: Artist of Life
Hoje, vivemos uma época de apego ao que menos importa — o consumo reluz — e de desapego ao que de fato nos faz sentir como nascentes perenes de rios — o prazer que a pousada te deu, por exemplo. A minha esperança é que você, e muitos de sua geração, saiba inverter esta urgência das coisas.
“A metáfora tem a ver com o desapego das coisas e a valorização das experiências. Enquanto o homem se ocupava em pensar sobre as coisas e as conquistas que queria ter, o cão tratava de viver aquele momento e aproveitar a experiência de estar vivo. Há algo da sabedoria budista na postura desse cão. É que um dos mais importantes ensinamentos do budismo é justamente aquele com o qual, eu, ocidental contemporâneo, criado na sociedade de consumo, tenho mais dificuldade: o desapego.”
Eugenio Mussak, em Vida simples
O desapego não é o mesmo que dar de ombros. É de se esperar que nos apeguemos a situações e momentos que nos fazem bem, embora também nestes casos seja necessário encontrar a dosagem ideal. Ocorre que estamos todos colidindo uns em outros por apegos vazios, que em geral envolvem bens, posses e artefatos para consumo imediato.
Ou adiamos pensar sobre isso à medida que os anos passam ou o fazemos sob condições extremas. Oliver Sacks, o incrível escritor, físico, neurologista, professor etc., descobriu aos 81 anos, idade em que ainda desfrutava de ótima saúde, que tinha múltiplas metástases no fígado.
Ele escreveu ao The New York Times um texto sensível, objetivo e de agradecimento à intensa vida que experimentou para si — e compartilhou com milhões de pessoas por meio de seus livros, suas aulas e seu amplo conhecimento.
Sacks encontrou, octogenário, o seu entendimento sobre apego e desapego, querer e se contentar, ou seja, muito perto do fim da vida teve a oportunidade de se reconciliar consigo mesmo.
Poucos desatam este nó. Imagine conquistar o que afirmam ser muito (condecorações, cargos, reedições etc.) e perceber que muito talvez seja relativo, supérfluo ou ilusório. Afinal, o pouco (uma escolha íntima, quem sabe) pode ser mais do que suficiente para preencher vazios nossos.
“This is not indifference but detachment — I still care deeply about the Middle East, about global warming, about growing inequality, but these are no longer my business; they belong to the future. I rejoice when I meet gifted young people — even the one who biopsied and diagnosed my metastases. I feel the future is in good hands.”
Artur, desça da montanha quando lhe convier, por apego ou desapego. Só não o faça por fazê-lo. Deleite-se durante o voo, certifique-se de dar valor e prolongar o quanto lhe for saudável.
Soa ingênuo? Soa. Mas vale a pena tentar.
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Detach imagines the transcendental journey of a lost soul, conceptualized as a jellyfish-like creature, into the afterlife.
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