A roda de bar girava em torno de temas adultos quando alguém disse:
— Se meu filho for menino, vai ser muito legal se for gay.
O meu espanto, Artur, seria menor se jogassem um peixe vivo no meio de nós que começasse a se debater no chão.
Que pais e mães demonstrem ansiedade por saber o gênero dos filhos que esperam, isso é bastante comum. Mas adicionar uma outra camada de orientação sexual é cruzar a fronteira mais afastada e inóspita do bom-senso. Deixemos de discutir o sexo dos anjos, preocupemo-nos em ensinar-lhes a usar suas asas.
Já não basta desejar que seja menino OU menina. Tem de ser hétero OU homossexual OU “trans” OU “bi” etc. Pobres crianças do reino da fantasia, que se juntam às coleguinhas do mundo real na aventura de ser quem quiserem enfrentando adultos de plantão a rotular e a moldar como massinha de brincar.
Deveríamos ser melhores em aceitar p-e-s-s-o-a-s. Hoje, à meia distância como meu pai deve ter feito comigo, admiro encantado a magia do seu desenvolvimento, cada ato ao mesmo tempo delicado e misterioso, vejo-me como quem, da plateia, assiste ao melhor ilusionista no auge de sua performance.
Uma criança em crescimento, aprecio da primeira fila, é um espetáculo revolucionário. Mais adultos deveriam se comportar como se no teatro, permanecendo quietos com o apagar das luzes para ver no palco seus filhos representando os personagens de si mesmos ainda em construção, cujos enredos, para o bem da tragédia humana, divergem dos que pais e mães gostariam de ter escrito.
O que nos leva de volta à roda de bar.
— Se meu filho for menino, vai ser muito legal se for gay.
“Ninguém é perfeito.”
Jamais dei importância a se você seria menino ou menina. Tampouco me interessa sua orientação sexual. Tem valor para mim:
“When I say I’ve been in love, that means that I’ve actually had a whole life with that person; we’ve lived together, we’ve been lovers, we’ve traveled, we’ve done things. I’ve never been in love with anybody I haven’t slept with, but I know lots of people who say they’ve been in love with someone they haven’t slept with. To me, what they’re saying is: ”I was attracted to somebody, I had a fantasy, and in a week the fantasy was over.” But I know I’m wrong, because it’s just a limit on my own imagination.”
Susan Sontag, em entrevista para The Rolling Stone
Você saberá escrever sua narrativa, construir seu papel e se cercar de personagens para dar vida a um espetáculo do qual serei espectador frequente, até o dia em que, apagadas as luzes para mais uma função, você já não me verá mais na primeira fila.
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