Será possível viver sem medo do medo? Afinal, todos temos algumas fobias, maiores ou menores. Simples ou complicadas de lidar. Ou seja, temores com os quais vivemos diariamente. E o que é pior: desde crianças.

Quando nascemos, já devemos sentir um medo incrível só de ver a luz de fora do útero. Também tem o oxigênio, que entra queimando no pulmão, o que deve dar um susto danado! Depois vem o medo de cair, de andar de bicicleta sem rodinhas, dos insetos etc. 

Outro dia, Artur, você me disse:

— Eu não tenho mais medo das formigas, papai. Sou corajoso. 💪

Sente-se aqui ao meu lado, Arturico, para falarmos disso. Como a coceira, o medo tem uma história muito longa de convivência com os seres humanos.

O medo do medo na história

A primeira coisa que precisamos saber está no livro 📙 História do Medo no Ocidente. 1300-1800. Nele, o historiador francês Jean Delumeau, muito sábio por investigar o assunto porque estava cansado das obras sobre o amor, a felicidade etc., escreve que “medo e covardia não são sinônimos”.

Essa é uma verdade. No entanto, meninos e homens, principalmente, foram disciplinados por séculos a pensar o contrário.

Quando começamos a ler os livros clássicos, conhecemos inúmeros personagens que se mostram valentes. Mas, em realidade, o que eles têm é medo de assumir seus medos.

Na vida adulta, temos a tendência de cometer o mesmo equívoco de abafar o que tememos. Às vezes, por escolha.

Mas, na maioria das situações, é por convenção. Achamos que assim podemos ser mais bem aceitos – ou menos excluídos.

O medo saudável

O medo é um dos responsáveis pela nossa sobrevivência como espécie. Ele é como um alarme 🚨 contra o perigo. Quando alguma coisa nos faz sentir menos seguros, o cérebro ativa o sistema nervoso.

Em seguida, somos inundados de adrenalina. Esse é o gatilho para a nossa reação de lute-ou-corra. Ou seja, quanto mais rápido percebemos uma ameaça, maior a nossa capacidade de evitar o pior. E tudo isso é um aprendizado fundamental ao longo da vida.

Por isso, você entenderá com a idade que o medo é um sentimento muito legítimo. E, às vezes, poderoso. Não há problema em temer algo, pelo contrário. Leia os parágrafos a seguir, Artur:

“Com efeito, recentemente diversos navios haviam se deparado com ‘uma coisa enorme’ no mar, um objeto comprido, fusiforme, fosforescente em determinadas circunstâncias, infinitamente maior e mais veloz que uma baleia.”

 

“Descobri que antes do terrível evento várias pessoas tinham visto na charneca uma criatura que corresponde a esse demônio de Baskerville, e que não teria podido ser nenhum animal conhecido pela ciência. Todas elas concordam que é uma criatura enorme, luminosa, horrível e espectral.”

Não consigo morder o canto de boca só de imaginar uma criatura enorme, luminosa, horrível e espectral. Ou um ser ou coisa fusiforme e fosforescente solta nos mares. Fusiforme, Artur!

O mar, aliás, é um dos meus maiores medos porque o respeito muito. Sua delicadeza dissimulada me seduz, um tipo de fascínio pênsil entre a atração e a repulsa. E também temo coisas pequenas, como as aranhas da espécie Cyclocosmia ricketti.

Tem gente com terror do infinito?!

Há quem tema o intangível, como o infinito e o para sempre 👇🏻👇🏻👇🏻. Outra prova de que pavores não têm cor, forma ou tamanho. Muito menos idade, como vimos.

Mas medos têm origem – e aqui é preciso cuidado. Tente resistir aos que são induzidos, como o medo do outro.

Esse é um medo exaustivamente utilizado por reis, presidentes e outros para justificar perseguições e guerras. Também se proteja do medo do pecado e de deuses impiedosos que vigilam e castigam.

“Religion is based primarily and mainly upon fear. It is partly the terror of the unknown and partly the wish to feel that you have a kind of elder brother who will stand by you in all your troubles and disputes. Fear is the basis of the whole thing – fear of the mysterious, fear of defeat, fear of death. Fear is the parent of cruelty, and therefore it is no wonder if cruelty and religion have gone hand in hand. It is because fear is at the basis of those two things.”

 

Respeite os seus pavores

Isso é muito importante. Quando sabemos respeitar os nossos limites, exercitamos a capacidade de entender melhor quem somos.

Artur, fobias não pedem explicações. Elas são suas, de ninguém mais. Respeite-as, entenda-as e tente aproveitá-las para chegar onde pensava não ser capaz.

Os primeiros astronautas deviam ter insônia só de cogitar ir à lua, mas se prepararam, treinaram e lidaram com seus pavores – nunca subjugando-os – para nos mandar de lá cenas inesquecíveis.

Portanto, deixe-se ter medo. Seja de pequenas formigas, ou de grandes mares.

 

lelecoms

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