A loja de doces em frente ao ponto em que pego ônibus para voltar para casa do trabalho tem fotos na fachada que hipnotizaram uma bebê nos braços da avó, acompanhada de um senhor que parecia ser o avô. De imediato, lembrei dos meus e nossos avós.
As guloseimas nas imagens eram BEM mais apetitosas do que o leite pálido na mamadeira que avó pretendia dar. Ela se rendeu, sem oferecer resistência.
A mamadeira foi prontamente guardada para ninguém mais ver, substituída por um reluzente pirulito em forma de disco, comprado de improviso pelo senhor, daqueles coloridos de parque de diversões cuja mistura de açúcar e corantes alegra gerações há décadas. Yummy, yummy.
Eu, quietinho no meu canto, observei a cena de rabo de olho. A avó, o avô e a bebê felizes por causa de um pirulito de um real. Se crianças se contentam com pouco, os avós se contentam com o pouco das crianças. E que assim seja, por muitos outros séculos.
É uma relação de cumplicidade, em que muito acontece sem que os pais percebam – ou sejam convidados a chupar os mesmos pirulitos.
Longe daquele ponto, sob o teto das nossas vidas, você e seus avós de mãe também se divertem e dão puladas de cerca que a sua infância agradece, Artur.
“‘Os dois bichos mais engraçados desse mundo,
O gato e o rato, se odeiam. Mas por quê?
Explique-me isso, Jane’. E sem saber por quê,
Frente à sombra e ao espaço misterioso,
Jane começou a rir.”
Victor Hugo, em Cantos para os meus netos – Poemas de Victor Hugo
Eu tive isto em parte. Do lado do meu pai, afastei-me cedo dos meus avós Estevam e Conceição, tragado pelas ondas de impacto do divórcio da sua avó Elisabeth e do seu avô Eustáquio, Artur. Esses seus bisavós são uma memória borrada para mim, desgastada pelo tempo.
Lembro de pontas soltas, como as bolinhas de doce de leite caseiro que Conceição sempre me fazia levar em sacos de plástico dos finais de semana intercalados que passava com eles, numa casa em que galinhas ciscavam no jardim de terra escura. Não lembro de brincadeiras ou momentos de todos reunidos.
Já Estevam é para mim, na prática, apenas o nome próprio de um parentesco sem memórias afetivas. Se tenho fotos deles que me ajudem a me reconhecer em suas linhas de expressão? Não, nenhuma. Talvez estejam grudadas em álbuns de família que nunca vi.
Do lado da minha mãe, a história é outra. Meu avô Lysandro me amava, e como. Eu o fazia de gato e sapato, pedindo-lhe mimos como chocolates que brotavam na palma de sua mão, do jeito que a gente aprende em histórias de fantasia. Nós brincávamos juntos.
Sua bisa Marília, que você pede para visitar, também fez mágica para me criar, principalmente quando a minha mãe se afastou de nós e de si mesma depois da morte do Lysandro.
Foi uma avó viúva que conduziu a situação à sua maneira, que não era melhor ou pior do que à de outras avós. Apenas a sua. Nós também brincávamos juntos.
Tudo isso, Artur, para dizer que você tem sorte de ter duas bisavós, duas avós e um avô. É certo que a minha mãe é ausente, mas ela sempre pergunta por você. Ela é avó, tem no coração um amor em duplicidade.
A gente aprende que os avós têm muito a compartilhar, o que é mais do que ensinar. Isso serve para o bem e para o mal; para você guardar para si o que for de bom e para descartar – com carinho – aquilo que achar exagerado.
Avós são réplicas de crianças. Ame-os até o último suspiro, como sei que você fará. E se tiver dificuldade de lembrar quando for adulto, pode deixar que te direi, mais do que este texto, o quanto você recebeu e deu de amor a eles.
Avós sabem se divertir, dizer verdades e dar bananas aos chatos de plantão. Para os pais, isso às vezes é difícil de aceitar.
O que nós pais esquecemos é que a hora de ser avós vai chegar. Espero que chegue para mim. E que nessa hora, Artur, você me veja com candura e entenda que me dará muita alegria, mas muita mesmo, dividir um pirulito em forma de disco, daqueles bem coloridos de parque de diversões, com os meus netos.
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