Uma revista disse que a greve de caminhoneiros atropelou o presidente. Ou foi o locaute, que é diferente de nocaute, embora neste caso o efeito seja o mesmo. Porque o presidente, e todo o seu governo, está na lona derrotado pelo golpe bem aplicado. Ou seja, no acostamento.
Nós que assistimos a tudo da arquibancada também saímos perdendo, como no Maracanazo, quando Ghiggia calou o país. Desta vez, são os caminhoneiros – aliados ou não aos seus patrões – que deixam a plateia sem respiração.
Flagelados no acostamento
E sem abastecer. Alguns dias de caminhões parados foram suficientes para fazer secar os tanques de combustíveis dos postos, destapando a caixa de Pandora. Dela saíram os flagelos da nossa brasilidade, o que há de menos cordial em cada um.
Pessoas brigando para abastecer, postos cobrando preços absurdos para lucrar com o medo, exército nas ruas, autoridades desorientadas… Isso é o egoísmo em cada esquina e à beira de estrada.
Mas somos assim também, Artur. Um povo individualista até nas dificuldades. E que só se enxerga nação em ícones fúteis, como a seleção de futebol ou as broncas seletivas de momento, como os impeachments.
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Parados no passado
O país do futuro parou no tempo. E de pane seca nas ruas e estradas, onde o asfalto nunca esteve tão ocioso. Por isso, o clima está tenso também nas famílias, que começam a fazer cálculos mentais entre o tempo que isto pode tomar e a fome de comer.
Essa greve – ou locaute ou os dois juntos – revela o que ninguém mais vê, como a pobreza e a violência impunes. Porque o conforto que supomos ter não existe, é uma ilusão saborosa que ninguém deixa no prato.
Alguns dias sem combustíveis deram curto nos serviços básicos. Enquanto nos supermercados as frutas, verduras e legumes, que colorem as prateleiras com fartura, desapareceram à falta de caminhões que as trouxessem dos mercados centrais ou do campo.
Além de pouco cordiais, agora bravejamos contra uma verdade incômoda. A de que nada está em nossas mãos, de que a rotina como a conhecemos se desmanchou no ar.
É quando mais nos revelamos como sociedade. Anos atrás, após um terremoto seguido de um tsunami, populações japonesas esperaram nas filas para comprar alimentos em meio ao racionamento. Todos em ordem, sem tumultos.
Aqui, há quem brigue para dar de beber ao automóvel. Isso, Artur, diz muito do que nos tornamos, e não deveríamos ser. Essa paralisação dos caminhoneiros nas estradas agravou a nossa paralisia coletiva, que a cada dia dá maus exemplos.
Vocês crianças não percebem de todo o que está acontecendo. Mas sentem as mudanças. Algo dessa greve – ou locaute ou os dois juntos – chega a vocês.
Que seja muito pouco para a infância não ficar também pelo caminho desabastecida de itens básicos. Como a alegria, a educação e o respeito, essenciais para esta longa viagem que é crescer em uma sociedade como a nossa parada no acostamento.