Arrisco dizer que todo pai, na sua evolução como indivíduo, sente aumentar o interesse pessoal por informação, em especial por livros de paternidade. É um apetite esperado, natural até.
A vontade de devorar conteúdo leva a outra: a de ser uma pessoa melhor – ao menos mais conectada à experiência de ser responsável pelos nossos pequenos. E assim começamos a refletir sobre valores, comportamentos e questões que os livros ajudam a entender.
Bom livro sobre paternidade
Li recentemente Entre o Mundo e Eu, um dos livros mais comovedores sobre a questão racial nos Estados Unidos. Nele, o jornalista Ta-Nehisi Coates tenta explicar ao seu filho, como em uma carta escrita a quem se ama, o que é ser negro na sociedade norte-americana. Não preciso dizer que sentimentos do pai escritor se misturam às conclusões do pai jornalista.
Um trecho apenas, Artur (aliás, o livro está na prateleira à sua espera):
“Eu queria muito que você tivesse sua própria vida, dissociada do medo, até mesmo dissociada de mim. Eu estou ferido. Estou marcado por antigos códigos, que me serviram de escudo em um mundo e depois me acorrentaram no seguinte. Lembro-me de sua avó chamando minha atenção para como você estava crescendo e ficando alto, e que um dia você ia tentar “me testar”. E eu dizendo a ela que ia considerar esse dia, caso acontecesse, o do fracasso total da paternidade, porque se tudo que eu tinha para você eram minhas mãos, então, realmente, eu não tinha nada. Mas, me desculpe, filho, eu sabia ao que ela estava se referindo, e quando você era mais jovem eu pensava do mesmo jeito. E hoje me envergonho desse pensamento, me envergonho de meu medo, das correntes geracionais que tentei cerrar em seus pulsos. Estamos entrando em nosso último ano juntos, e eu gostaria de ter sido mais suave com você. Sua mãe teve de me ensinar como amá-lo — como beijá-lo e lhe dizer que o amo toda noite. Mesmo agora não parece ser um ato tão natural quanto ritual. E isso é porque estou ferido. Isso é porque estou preso a antigos métodos, que aprendi numa casa endurecida. Era uma casa amorosa mesmo sendo assediada pelo seu país, mas era dura. Mesmo em Paris, não consegui me livrar dos velhos hábitos, do instinto de olhar para trás a cada passo, sempre pronto para sair dali.”
Percebe, Artur? Pais são seres viciados, “feridos” e “marcados” dados à vã tentativa de não contaminar a evolução de outro ser com seus próprios preconceitos, desesperanças e frustrações. Sempre haverá resíduos, mais ou menos tóxicos. Se cultivamos falsas crenças de que controlamos a vida mesmo sabendo que ela é dona de si, a paternidade é como reler um livro ansiando por outro final.
Mais obras sobre paternidade
A biblioteca de obras-primas da literatura para papais é enorme. Desde os clássicos, como Carta ao pai, a livros mais recentes, as opções são bem variadas. Até porque o conhecimento ajuda a entender o chiliques dos pequenos, suas manias e principalmente desenvolvimento.
As letras e os capítulos podem ser uma salvação.
Assim como as experiências trocadas entre pais. Afinal, somos todos caras tentando dar aos filhos uma educação básica, bem como a mínima compreensão do mundo que os rodeia.
Outros livros imperdíveis
Abrace seu filho, de Thiago Queiroz
Na minha pele, de Lázaro Ramos
Dos livros de paternidade aos medos de pai
Digo a quem queira ouvir que um dos meus temores de ser pai é acordar um dia e, para o meu completo assombro e incompreensão, ver um Artur que me pareça estranho, comportando-se como se jamais tivéssemos compartilhado mesa e teto.
É um medo bobo, esquisito até, porque se espera de um pai de um menino de três anos que ele desfrute simplesmente da infância de seu pequeno, preenchendo-a de estímulos, experiências e aprendizados, como um elixir contra a passagem do tempo e os desencantos que ela traz.
É um medo egoísta, afinal não me é dado o direito de querer que você – no futuro – seja um Artur idealizado – no presente. Você deve ser quem deseje ser, agrade-me ou não. Aliás, mostre-me a palma da sua mão, com o braço bem estendido, para demarcar limites caso eu os ultrapasse, dado que isso é falha ou hábito de muitos pais.
Let me go
I don’t wanna be your hero
I don’t wanna be a big man
Just wanna fight like everyone else
É um medo compreensível porque os sentimentos se misturam, em quantidades que não sei repartir. Desde que te conheci, vivo a perplexidade de te amar – sem entender bem como a química me afeta – e de impor limites à vastidão deste amor, como acelerar a bicicleta na ladeira pelo prazer do vento na cara, mas sem tirar os dedos jamais do manete do freio.
Capacidade de aceitar os pequenos
Não acontece, óbvio. Por mais tentadora que possa ser a abstração de uma paternidade que avance como o planejado, ela escapa ao controle. Você, um dia, será quem eu nunca esperaria ter em meus braços, mas que desejarei convidar à minha mesa para compartilharmos outra vez o mesmo teto.
Será um Artur muito diferente do de hoje, que descobre as palavras com alegria, esbarra nas quinas e tenta conter o choro e pede massagem nas costas para dormir. Você será um Artur que já não me pedirá massagem para dormir, por exemplo, mas que saberá demonstrar o seu amor por mim e pela sua mãe de outras formas.
E, quem sabe, você terá preservado do Artur de três anos de hoje – mais do que eu preservei de mim em mim – a capacidade de se encantar e de aceitar cada um (eu incluso, como tentarei com você) com a mesma atitude sem reservas.
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