A paternidade é um mergulho profundo em um dos maiores desafios da vida adulta. E ela começa nos meses prévios ao nascimento, quando nos organizamos para a chegada do bebê. É nessa preparação que a licença-paternidade surge em nossas cabeças.
Esse direito garantido por lei é o tema deste post, Artur e Bento. Não apenas para entendermos suas origens legais e os detalhes de como funciona na prática. Mas também para vermos como tudo isso tem a ver com a importância de ser pai (e companheiro) de verdade.
Origem da licença-paternidade no Brasil
Antes da redemocratização em 1988, os pais no país tinham direito a apenas um dia de afastamento remunerado do trabalho por causa do nascimento de filhos.
O direito, previsto no artigo 473, III da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), de 1943, era extremamente utilitarista. Ou seja, o entendimento à época era de que essas 24 horas de afastamento eram mais do que suficientes para o pai formalizar o registro civil do recém-nascido.
“O empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário:
Art. 473, III, da CLT de 1943
III – por um dia, em caso de nascimento de filho, no decorrer da primeira semana.”
Vivia-se outros tempos, em que conceitos de paternidade, maternidade e direitos de trabalho estavam menos difundidos. Por isso, a importância de estar ao lado da mãe, a necessidade de cuidados básicos do bebê e a oportunidade de estabelecer as primeiras conexões paternas não eram levados em conta da mesma maneira de hoje.
Um dia apenas, e só um dia. Ponto.
A licença-paternidade hoje: novas regras, direitos e deveres
Com o tempo, ficou cada vez mais claro que ter apenas um dia era muito, muito pouco.
As sociedades tendem a evoluir com o tempo, meninos. Para o bem e para o mal. No caso da licença-paternidade, aqui no Brasil, aconteceu um avanço positivo (mesmo que tímido): os pais ganhariam mais dias para ficar em casa. 😉
A atual licença-paternidade de cinco dias consecutivos de afastamento do trabalho, a partir do primeiro dia útil após o nascimento de cada filho e sem descontos nos dias remunerados, é um direito do trabalhador brasileiro garantido pela Constituição Federal de 1988 em todo o país.
A Constituição Cidadã, como ficou conhecida a Carta que rege o nosso ordenamento jurídico até hoje, renovou os direitos dos brasileiros, garantindo liberdades civis e os deveres do Estado.
Tempo com a família
Por isso, a licença-paternidade como a conhecemos hoje foi resultado de uma sensibilidade maior dos legisladores. Em vez de só ter tempo de fazer a certidão de nascimento, os pais receberem também a possibilidade de estar perto da sua família.
Ou seja, a mãe passou a contar com mais suporte e carinho do companheiro no seu pós-parto. Por sua vez, toda uma nova geração de recém-nascidos entrou numa nova era de mais atenção paterna nos primeiros dias de vida.
Vejam o que dizem o artigo 7º, XIX, da nossa Constituição; e o artigo 10º, § 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT):
Artigo 7º, da Constituição Federal
Artigos da Constituição e do ADCT
“São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(…)
XIX – licença-paternidade, nos termos fixados em lei;”
Artigo 10º, do ADCT
“Até que seja promulgada a Lei Complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:
§ 1º – Até que a lei venha a disciplinar o disposto no art. 7º, XIX, da Constituição, o prazo da licença-paternidade a que se refere o inciso é de cinco dias.”
A mudança representou um grande salto, uma vez que os dias a mais davam um novo significado à própria figura do pai. Com essa canetada, mesmo sem uma percepção clara naquele momento, os legisladores contribuíram de alguma maneira ao assentamento de algumas das bases da paternidade.
Diferenças no setor público
Mas é bom lembrar: essa regra vigente é válida para pessoas que trabalham em empresas privadas, uma vez que servidores nos diferentes tipos de governo podem ter outras condições.
Desde 2016, por exemplo, servidores podem ter mais 15 dias na licença-paternidade. Para isso, precisam solicitar a prorrogação em até dois dias após o nascimento ou terão direito somente aos cinco dias convencionais.
Adoção tem o mesmo direito
Um ponto fundamental a ser levado em conta é a igualdade desse direito para pais adotivos. Embora a CLT isso não diga isso expressamente, a Constituição exclui a distinção entre pais adotivos ou não.
Por isso, quem adota uma criança tem também a possibilidade de se ausentar do trabalho para estar com a criança. De novo, nas mesmas condições: a licença-paternidade passa a valer a partir da conclusão da adoção.
Quem tem direito a até 20 dias do benefício
Apesar do aumento de um para cinco dias, a realidade do trabalho ainda está em dívida com o que se espera de um pai hoje. Afinal, cada vez mais responsáveis de figura paterna têm demonstrado um maior envolvimento.
No meu caso, Artur e Bento, foi muito pouco estar com vocês apenas cinco dias. Quisera eu que pudéssemos ter mais momentos juntos eu, sua mãe e vocês. Fui um dos milhões de pais que tiveram que respeitar as regras, e que, por isso, experimentaram apenas o pouco que é dado a cada família após o nascimento.
Justamente por isso existe hoje também no setor privado uma outra possibilidade à licença-paternidade convencional de cinco dias. Com esse avanço, é possível se ausentar até 20 dias, mas de acordo com alguns pré-requisitos.
Programa Empresa Cidadã – e mais para os pais
Em 2008, algo mudou. Naquele ano, o governo federal criou o Programa Empresa Cidadã com a Lei nº 11.770 (alterada pela Lei nº 13.257/2016) para “prorrogar por 60 dias a duração da licença-maternidade e por 15 dias, além dos cinco já estabelecidos, a duração da licença-paternidade.”
Para isso, o pai precisa trabalhar em uma empresa do setor privado que tenha aderido ao programa – em troca das deduções fiscais previstas. Nesse caso, deve pedir a prorrogação da sua licença-paternidade no prazo de dois dias úteis após o parto.
E comprovar a participação em programa ou atividade de orientação sobre paternidade responsável. 😉
Atenção, empresas em busca de talentos 📣
Nos últimos anos, a adesão ao programa ainda é lenta. Em geral, são as multinacionais que dão esse passo, o que restringe o alcance do benefício para os pais. Em 2017, por exemplo, apenas 12% das 160 mil companhias elegíveis no país haviam aderido, segundo informação da Folha de S.Paulo.
Com o quadro atual da pandemia, empresas que garantirem mais tempo em família para seus funcionários pais podem, com isso, acertar duas vezes. Não apenas pela empatia, mas também pelo ganho de imagem no mercado de trabalho.
Mais direitos com a licença parental
Os anos mostram que licenças mais longas para pais e mães são tendência. Aliás, não dá para ser diferente. Hoje, trabalhadores são cada vez mais produtivos, o que tira da frente o argumento de que quem tem filho para criar é menos vantajoso para as empresas.
E o fato é que o assunto vai além. Muito além da dicotomia pai/mãe. Isso acontece com a licença parental.
Ou seja, um conceito mais amplo que leva em consideração os responsáveis pelas crianças independentemente do gênero, da orientação sexual, da identidade de gênero e do estado civil.
A cidade de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, por exemplo, é uma das poucas no país que garante aos servidores locais uma licença desse tipo.
Já no Japão, a quebra de tabu é outra. O ministro do Meio Ambiente, Shinjiro Koizumi, anunciou a intenção de tirar duas semanas de licença-paternidade, algo até então inédito no país. Lá, não é comum os pais tomarem essa decisão por medo de isso ser mal visto no trabalho.
Ou seja, os exemplos foram dados.
Como esses benefícios de trabalho mudam a paternidade?
Se chegamos até aqui com algumas conquistas, Artur e Bento, é porque a humanidade está aprendendo a importância de ser pai. Tanto para os filhos, quanto para quem está ao nosso lado. E isso mexe com os sentimentos.
Afinal, a ideia é que a figura paterna evolua com o passar dos tempos. Não dá para ser autoritário em um mundo mais diverso. Ou egoísta diante de novas relações e dinâmicas guiadas pela empatia.
As formas ampliadas de licença-paternidade são reflexo disso. E isso está diretamente ligado a algumas reflexões muito recorrentes hoje:
- o que é ser um bom pai?
- o que é a parentalidade socioafetiva?
- como é a paternidade ativa?
- quem é e o que faz um pai de helicóptero? Onde vive?!?!?!
- a paternidade é um dom?
- e sejamos práticos: a licença-paternidade são quantos dias?
Por isso, e por muitos outros motivos, o mais emocionante de ter filhos é que você começa a olhar para dentro, bem dentro mesmo. E é nesse lugar em que todo pai se reencontra e reaprende. Mas, sem termos pressa, essa é uma história que vou contar para vocês – e para o mundo – nas próximas linhas.
Mas o que é a paternidade hoje?
Vamos lá, Artur e Bento. Antes de mais nada, ser pai e paternidade não são a mesma coisa. Daí a importância de entender essa diferença.
Paternidade é uma entrega sincera de todo pai aos seus filhos, com carinho, atenção e cuidado, para que as crianças tenham condições de se desenvolver com saúde mental e física.
Essa é a minha maneira de definir. Mas, para desafios assim, sempre gosto de começar pelo dicionário, que não enrola:
paternidade
Dicionário Michaelis
pa·ter·ni·da·de
sf
1 Qualidade ou estado de pai: “Minha irmã consolou-se rápido, mesmo porque já estava de olho em outro pastor. Esperto, meu pai prometera a esse rapaz vinte cabras, com a condição de que assumisse a paternidade do bebê que estava por nascer” (MS).
2 REL, DESUS Tratamento conferido a religiosos.
3 Qualidade de quem cria algo; autoria: Finalmente, ficou comprovada a paternidade daquele panfleto ofensivo à honra do prefeito.
Na vida real, tudo é mais profundo. E intenso. Porque não há um sentido claro… A paternidade é afeto, amor, medo, dúvida, alegria, aprendizado, incerteza, admiração e tantos outros significados.
No nascimento de um bebê, principalmente, cai a ficha de que a coisa é muito séria. De que nada já será como antes. Não à toa, poucos sons são tão poderosos quanto o grito de um(a) recém-nascido(a) — talvez só o de um trovão ou de um onda quebrando na praia.
A definição de paternidade não está escrita em pedra — ao contrário, ela é elaborada com o tempo, à medida que aprendemos a crescer junto com os filhos.
Atenção: ser pai vem muito antes da licença-paternidade
Tudo seria mais fácil se houvesse um ponto exato de origem. Talvez até pudéssemos nos preparar à medida que nos aproximássemos dele – como quem se planeja para viajar a um local sagrado e se informa bem antes de chegar.
Mas fica a dica: não é assim
Alguns dirão que ela começa na concepção, enquanto outros podem argumentar que é antes disso, além daqueles que afirmam que é só no nascimento. Sem esquecer, claro, das muitas pessoas que pensam diferente. 🙃
Tudo bem, afinal essa é de fato uma questão pessoal. Mas um aspecto deveria ser universal: quem será ou é pai precisa dar adeus ao individualismo e ao egocentrismo o quanto antes. Sim, uma criança – esteja dentro ou fora da barriga materna – pede muito pouco: cuidado, atenção e carinho.
E ela tem todo o direito de desejar – e receber – isso. Na verdade, o pai presente precisa ter bem claro uma coisa: não existe licença-paternidade em casa, só no trabalho.
Muita responsabilidade, por favor
Por isso, adultos de plantão: ajam com muita responsabilidade antes de decidir ter uma criança. Ponham essa ideia à prova, perguntem a si mesmos se de fato querem segurar um bebê seu entre os braços.
Se sobrar uma pontinha de dúvida sequer, então deixem para lá. Sigam com suas vidas, e deixem-nas como estão até que todas as respostas sejam respondidas. Porque ser pai ou mãe é se lambuzar.
Ou seja, só deem esse passo depois de pensarem, pensarem e pensarem e sentirem no coração que é mesmo o caso de ter filho. Nesse caso, continuem nas próximas linhas…
Moral da história: licença-paternidade só no trabalho, mas não em casa 😉
De novo: parentalidade não tem um ponto de partida exato. Ela acontece simplesmente, provocando transformações que ninguém pode prever. No meu caso, o sentido de ser responsável por outras vidas surgiu antes de o Artur e o Bento nascerem.
E esse é um ponto muito importante da paternidade: nos tornamos pais antes mesmo do nascimento dos pequenos. Confesso que nunca pensara em ter filhos antes de o assunto começar a se repetir no meu dia a dia.
É dá natureza humana: as mulheres tendem a pensar primeiro no assunto. Elas têm mais sensibilidade para a vida. E isso se reflete na vontade mais sensível de dar amor incondicional a um ser.
Eu e a sua mãe, Artur, te seguramos bebê segundos após o seu nascimento, e foi quando a magia aconteceu. Talvez esse seja um dos inícios da paternidade: ter entre os braços os pequenos bebês que tanto aguardamos nos nove meses de gravidez.
Bebês que, sem saber, revolucionam vidas. Portanto, a paternidade não tem um início: ela acontece. E quando menos esperamos.
Boa licença-paternidade! Mas só do trabalho. 😉
Dúvidas frequentes sobre licença-paternidade
Esse é um direito garantido a todos os trabalhadores com carteira assinada e aos servidores públicos federais, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º.
O prazo garantido pela Constituição é de cinco dias corridos. Mas desde 2016, pais servidores públicos federais e que trabalhem em empresas cidadãs podem prorrogar o prazo por 15 dias, além dos cinco já estabelecidos. Além disso, cidades no prazo já ampliaram também esse prazo para seus servidores.
Não. A licença parental, que começa a se difundir no país, garante dias de ausência remunerada do trabalho independentemente do gênero, da orientação sexual, da identidade de gênero e do estado civil do responsável da criança.