A felicidade dos filhos é uma aspiração constante de pais e mães. Mas aqui temos uma questão maior: a tendência de acharmos que a felicidade deve ser uma condição perene. E que, não conseguindo dar isso à criançada, a vida seria então um mar de infelicidade.
Acontece que ser feliz é circunstancial, efêmero e inconstante. Por isso, devemos pensar muito bem para que essa vontade de dar o melhor a eles não gere uma ansiedade geral. Ou tristeza.
Nesse texto, vamos tentar refletir juntos sobre esse tema vital da paternidade e da maternidade. Para começar, precisamos entender melhor o que é a felicidade e como ela pode fazer parte da rotina em casa com os pequenos.
O que é a felicidade dos filhos e de todos, afinal?
A felicidade dos filhos não é um grande evento pirotécnico, apesar do que muitos acham. Simplesmente porque não dá para viver em um eterno Rock in Rio, muito menos na infância e na adolescência.
A sensação de estar feliz (repare que já estou diferenciando as coisas) está mais para um guarda-chuva. E sob o qual ficam muitos fatores, como a personalidade de cada um, o momento de vida, o jeito de encarar as coisas etc.
Ela é algo mais complexo e difícil de definir, motivo pelo qual muitos cientistas quebram a cabeça para tentar encontrar respostas minimamente coerentes.
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A perseguição da felicidade (sem contaminar os filhos)
Um relatório do instituto IPSOS, de 2019, mostrou uma queda de 12% em relação aos brasileiros que se consideram muito felizes ou felizes, comparado ao resultado do ano anterior. No mesmo estudo, o índice global caiu de 70% para 64% no mesmo período, denotando uma redução mundial do sentimento.
Esses números são uma boa referência porque muitas pessoas tendem a perseguir a felicidade. Com isso, podem se frustrar – e até contagiar os filhos com essa frustração, o que é pior.
“É preciso restringir o conceito de felicidade. Sou a favor de risos, de bom humor, mas são só parte do que leva as pessoas a agir. Não precisamos repensar, mas restringir o alcance da felicidade. É comum, por exemplo, ouvir pais dizerem: ‘Só quero que meus filhos sejam felizes’. Isso é uma tolice. Quero que meus filhos sejam felizes, mas quero que eles gostem de fazer algo, que tenham bons relacionamentos, que encontrem um sentido e um propósito e que conquistem coisas. Perseguir só a felicidade é enganoso.”
Martin Seligman, o “doutor felicidade”
O que dizem os cientistas: 3 maneiras de ser feliz
Para a ciência, o conceito de ser feliz é um assunto de muito interesse. Ainda assim, é uma das emoções menos pesquisadas justamente porque ela é bastante desafiadora. A começar pela sua própria definição.
O motivo disso é que não há uma resposta única ou definitiva para o que é exatamente essa emoção humana.
A felicidade pode ser vista de três maneiras:
- como um estado hedônico,
- como um estado cognitivo,
- ou como uma filosofia de vida geral.
Essa definição foi criada por Nancy Etcoff, psicóloga e pesquisadora da Universidade de Harvard.
“A felicidade, então, pode se referir a uma forma de pensar, como ser otimista; uma forma de sentir alegria, prazer, alívio ou gratidão; ou simplesmente uma forma de ser.”
Nancy Etcoff, psicóloga e pesquisadora da Universidade de Harvard
A herança genética e a satisfação com as pequenas coisas
Outros estudos mostram que a felicidade tem parcialmente uma carga genética. Uma pesquisa da Universidade de Minnesota, por exemplo, revelou que irmãos gêmeos idênticos dividem não apenas o mesmo DNA, mas o mesmo “nível” de felicidade. Por sua vez, irmãos gêmeos fraternos apresentam maior diferença entre suas percepções de bem-estar.
“A satisfação vem de pequenas coisas, em particular de descobrir o que você faz bem. São as pequenas coisas que podem te manter saltando acima do seu ponto de ajuste genético… Uma boa refeição, trabalhar no jardim, tempo com os amigos. Polvilhe sua vida com essas pequenas coisas.”
David Lykken, um dos pesquisadores da University of Minnesota
Ou seja, a genética pode contribuir para a percepção de cada um para a felicidade. E isso é fundamental porque a evolução, por sua vez, nos preparou para resistir a ameaças, como animais selvagens ou grupos oponentes. Por isso, temos uma predisposição ao pessimismo e a emoções negativas.
O lado escuro da felicidade dos filhos e de pais
Mas há um ponto obscuro sobre tudo isso. E ele pode ser encontrado onde menos se espera ver tristeza ou menos felicidade: em países mais desenvolvidos.
O Relatório de Felicidade Mundial (World Happiness Report), da Organização das Nações Unidas (ONU), mostra que a Dinamarca é o terceiro país mais feliz do mundo, atrás apenas da Finlândia e Islândia, nessa ordem.
Ao mesmo tempo, a Dinamarca tem a 47ª maior taxa mundial de suicídios em uma lista de 183 nações, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
A pergunta é: se a Dinamarca é o terceiro país mais feliz do mundo, porque também está entre os top 50 em suicídios?
Ser feliz em três dimensões
Uma das explicações é justamente o fato de a felicidade ser difícil de definir. Quando entidades como OMS ou a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ou Económico (OCDE) medem a taxa de suicídio, elas se baseiam em três dimensões:
- Satisfação de vida,
- Emoções (sensações do dia a dia),
- Propósito de vida.
E precisamos lembrar que tudo isso é muito subjetivo. Ou seja, a ciência lida com elementos e fatores desafiadores. As pesquisas científicas sobre a felicidade, por isso, levam em consideração diferentes aspectos.
Em países com pouco desemprego, por exemplo, estar desempregado(a) pode se transformar em um estigma pessoal, e não a consequência de um problema da economia. E se todos se sentem felizes à sua volta, não se sentir parte disso pode ser muito difícil.
Por isso, casos como o da Dinamarca sugerem que hoje pode ser muito mais difícil se sentir infeliz em sociedades desenvolvidas (e em geral mais felizes) do que em outras regiões.
Esse seria um dos lados obscuros da felicidade, como você pode ver em mais detalhes no vídeo abaixo:
Teoria de Martin Seligman
Martin Seligman é o pioneiro da psicologia positiva. E ele trabalha a fundo em questões da felicidade, principalmente na sua “anatomia”. Por isso, uma de suas teorias mais difundidas e conhecidas é justamente sobre as três dimensões da felicidade:
Vida agradáve (pleasant life)
É a dimensão em que apreciamos prazeres considerados mais básicos, como as amizades, um passeio na natureza e outras situações da rotina que proporcionam emoções positivas.
Vida boa (good life)
É a dimensão em que estão as pessoas que conseguem ter um maior conhecimento de suas virtudes e pontos fortes, aproveitando essa clareza para melhorar as suas vidas.
Vida significativa (meaningful life)
Aqui, as pessoas que alcançam esta dimensão experimentam um senso de realização, conciliando isso com propósitos maiores do que os individualistas.
Ajude as crianças a entender seus sentimentos
Um dos caminhos para uma vida mais conectada com bons momentos e sensações é a capacidade de dar voz aos nossos sentimentos. Ou seja, precisamos ajudar os pequenos a falar do que sentem, incluindo a felicidade.
Você já viveu essa cena: seu(ua) pequeno(a) está com muito sono, mas não dorme. E nesse incômodo, ele(a) acaba se irritando por coisas banais, como um pedido negado ou um tropeço no chão.
O controle dos sentimentos não é fácil. E para ninguém, principalmente para os filhos porque ainda estão descobrindo o seu mundo interior.
Mas como ajudar a molecada a falar dos sentimentos?
- Que tal dar um caderno bem bonito, com uma caneta ainda mais bonita para deixá-los escrever sobre o que sentem?
- Se não sabem escrever, um caminho é acolher nos momentos de maior irritação e deixar que chorem, por exemplo.
- Nos momentos mais felizes em família, podemos ajudá-los a pensar nos sentimentos dizendo como nós, adultos, nos sentimos em ocasiões assim. 😉
Ou seja, ajudar as crianças a entenderem seus sentimentos é um exercício também nosso. Como pais, podemos tirar o foco da felicidade idealizada e conscientizar os pequenos sobre como aproveitar seus melhores momentos de vida.
Curso sobre felicidade e bem-estar
O curso “A ciência do bem-estar”, da psicóloga Laurie Santos, é um dos mais assistidos da Universidade de Yale, a terceira instituição de ensino superior mais antiga dos Estados Unidos e que formou cinco presidentes do país, além de outros alunos de destaque.
No curso, “Laurie Santos revela equívocos sobre a felicidade, características irritantes da mente que nos levam a pensar como pensamos e pesquisas que podem ajudar a todos a mudar”.
A boa notícia é que você pode conferir a versão online gratuita do curso e ver com os próprios olhos como a professora e psicóloga apresenta a felicidade.
Quem sabe ele te dará mais elementos para você ajudar os filhos a lidarem melhor com esse componente da vida. 😉
Dia Internacional da Felicidade
Esse tema é tão envolvente para a humanidade que temos o Dia Internacional da Felicidade, em 20 de março, e instituído pela Assembleia Geral das Nações Unidas por meio da resolução 66/281 de 12 de julho de 2012.
A Assembleia Geral,
Conscientes de que a busca pela felicidade é uma meta humana fundamental,
Reconhecendo a relevância da felicidade e do bem-estar como objetivos e aspirações universais na vida dos seres humanos em todo o mundo e a importância do seu reconhecimento nos objetivos das políticas públicas. (…)
Trecho da Resolução da ONU que estabeleceu o Dia Internacional da Felicidade
A iniciativa da ONU é reflexo da percepção das lideranças mundiais de que a felicidade é, sim, um componente do bem-estar da humanidade. Ou deveria ser, uma vez que essas mesmas lideranças são muitas vezes incapazes de combater o que tira a leveza das pessoas, como guerras, conflitos, fome etc.
De todos modos, essa data celebtrativa é um convite à reflexão sobre como populações e pessoas em sua individualidade podem pensar sobre o tema.
Livros para ler no Dia Internacional da Felicidade
Alguns livros foram escritos justamente como uma tentativa de especialistas e escritores de desvendar a felicidade:
- Sobre a felicidade: uma viagem filosófica
- Felicidade: modos de usar
- Felicidade conjugal
- Contentamento: o segredo para a felicidade plena e duradoura
Qual felicidade dos filhos você quer?
Agora que sabemos um pouco mais sobre a emoção de ser feliz, que tal pensarmos no bem-estar dos filhos? Ou seja: o que podemos desejar e proporcionar a eles?
Talvez existam duas possibilidades aqui:
- Desejar para os filhos uma felicidade idealizada (e incompatível com a realidade);
- Proporcionar um bem-estar mais possível que, sim, tenha pitadas de felicidade.
A felicidade idealizada que pode contaminar os filhos
Ninguém precisa se sentir obrigado a ser feliz. Muito menos as crianças e adolescentes, apesar de muitos pais e mães acharem o contrário. Afinal, a pressão para estarmos sempre de bem, principalmente nas redes sociais, pode fazer muito, muito mal.
A suposta paternidade ativa, que mais parece um anúncio de margarina, é um exemplo. Além de ser um erro porque não existe a maternidade ativa, faz parecer que ser um bom pai é coisa de seguir um padrão e tudo bem… Mas sabemos que não é assim.
A pesquisa Monitoring the future, com o objetivo de estudar os comportamentos, atitudes e valores dos americanos desde a adolescência até a idade adulta, já mostrou que “adolescentes que passaram mais tempo na internet, jogando no computador, nas redes sociais, mandando mensagens de texto, usando o chat de vídeo ou assistindo TV ficaram menos felizes”.
Já a pesquisa More happiness for young people and less for mature adults (…) revelou que adultos com mais de 30 anos estão menos felizes do que há 15 anos devido às condições da vida social atual.
Estudos como esses demonstram que hoje a felicidade pode ser um bem muito escasso. E que talvez o principal motivo disso seja o nosso próprio estilo de vida, muito vidrado em redes sociais e em falsas aparências.
Com tantos fatores apontando para a infelicidade ou o sentimento de não fazer parte, como pode ser possível garantir a felicidade às crianças?
A felicidade das crianças: uma alternativa possível
A paternidade e a maternidade têm, portanto, o desafio de conciliar a melhor das intenções (a felicidade dos filhos) com a realidade pura e dura. O mundo lá fora de casa não é dos mais acolhedores, pelo contrário.
Pelo que vimos das pesquisas e dos especialistas nos vídeos acima, tentar garantir um mar de rosas para os pequenos pode ser uma rua sem saída. Por isso, perseguir a tal da felicidade, criando nos pequenos a falsa impressão de que ela é um porto seguro, talvez seja um risco.
Ou seja, melhor seria batalhar na paternidade por outras condições mais acessíveis e realizáveis.
Bem-estar em família
Se os pequenos momentos podem ser a verdadeira fonte da felicidade, um dos mais marcantes para os pequenos é a refeição em família, por exemplo. E ela, de fato, faz bem para o desenvolvimento das crianças e adolescentes.
Uma pesquisa canadense, liderada pela ONG The Family Dinner Project, mostrou que crianças que rotineiramente sentam à mesa com parentes são mais ativas. Além disso, comem menos alimentos gordurosos e demonstram melhores habilidades sociais e menos agressividade.
As refeições são apenas um exemplo porque podemos fazer muito mais de concreto pelos filhos – e não ficar na teoria de perseguir a suposta felicidade.
Um bom ambiente familiar que de fato proporcione bem-estar para os pequenos, apesar das dificuldades do dia a dia, pode ser fundamental para os filhos colherem boas emoções.
Boa relação entre pais e filhos: criança mais feliz
Essa talvez seja a segunda condição mais importante para uma infância e adolescência marcadas por momentos felizes. A boa relação entre pais e filhos vai muito além do que é palpável, como o diálogo, os olhos nos olhos e a interação diária.
Ela cria memórias afetivas, fortalece os laços e dá mais sentido de pertencimento, justamente o que os especialistas já identificaram como muito importante para emoções positivas.
Se sentir feliz, por mais momentâneo e picado que seja, tem tudo a ver com se perceber como parte de algo especial. Ou seja, uma boa relação entre pais e filhos, por exemplo.
Ou seja, sem diálogo e envolvimento entre pais e filhos a felicidade deixar de ser sequer uma hipótese.