Conversas de si para si

O dia chega em que tudo faz ainda menos sentido. Você acorda pela manhã que deveria ser como todas as outras com pelos longos nas pernas e nos braços, com dores localizadas em partes do corpo que antes considerava saudáveis e com a lembrança de quando era jovem perdida em alguma região interiorana do seu cérebro.

Eu já passei por isso; a sua mãe já passou por isso. Você vai passar por isso, de súbito, sem se prevenir ou escolher a melhor hora. Não mais despertar, estará paralisado diante de si mesmo, só que sem um espelho que distraia ou faça a cena parecer menos desconcertante.

Chame de catarse, desilusão, alegria ou como quiser. Não importa. O que vale é a experiência – e o que você faz com ela – de olhar com os olhos cansados de adulto para o Artur jovem que ficou para trás em alguma esquina.

Você mal vai recordar que ele existiu, mas ao ampliar a memória abrirá uma passagem no tempo que ele vai utilizar sem cerimônia para te encontrar e contar como vocês eram bem mais próximos antes de a vida madura te levar para longe.

“No one can build you the bridge on which you, and only you, must cross the river of life. There may be countless trails and bridges and demigods who would gladly carry you across; but only at the price of pawning and forgoing yourself. There is one path in the world that none can walk but you. Where does it lead? Don’t ask, walk!”

Friedrich Nietzsche, em Schopenhauer as Educator: Nietzsche’s Third Untimely Meditation

Insisto, todos passamos por isso. Faz bem, mas faz muito mal também. Quem quer saber de quem já quis ser um dia; pensar nas possibilidades e expectativas que se dava, mas jamais realizou? Ninguém quer. Ou apenas os que se permitem a oportunidade para tirar o mínimo proveito. E qual seria?

Comecemos pelo que vocês têm a se falar. O Artur jovem vai dizer sobre o que ele pretendia ser, as ambições que cultivava, as profissões que cogitava, os sentimos mais palpitantes em seu coração, as viagens que gostaria de fazer, em suma, ele se abrirá a você como talvez jamais tenha feito.

E você o escutará com atenção sem dizer palavra, também por respeito, mas antes porque vai se identificar aos poucos com o que ele dirá, como quem vê fotos antigas imóvel diante de uma tela luminosa. Bem-vindo de novo ao seu passado de ouro, à época em que tudo parecia possível ao Artur jovem.

https://twitter.com/NosArtur/status/744950483467526144

Eu me encontro com frequência comigo dos 20 anos, um rapaz tímido e muito observador, solto de amarras que poderiam fincá-lo no chão, como a separação dos pais, a morte precoce do pai e o desapego da mãe. Mais do que nunca, sinto a necessidade de escutar histórias que ele narra como trechos tentadores de livros de viagem, talvez porque hoje eu desenvolva uma atração crescente por aventuras e descobertas.

De mim, ele ouve com curiosidade como cheguei até aqui, as escolhas que fiz ao longo da estrada e em que paragens estive, interrompendo-me com a espontaneidade da pouca idade para pedir detalhes. Nossos encontros são cada vez mais recorrentes e duram minutos ou horas em que compartilhamos de tudo um pouco.

Eu torço sinceramente por vocês dois, Artur, pela relação que você jovem e você adulto venham a estabelecer no futuro, aprendendo com o presente e o passado. Aproveitem as ocasiões, tirem o máximo delas para se reconciliarem e para entenderem as necessidades de cada um, quem sabe com muita compreensão.

“Considering everything else that goes on in life over those 30 years — marriage, raising a family and building a career — it is extraordinary that there appears to be a relationship between the kinds of interactions college students and young adults have and their emotional health later in life.”

Cheryl Carmichael

Uma coisa que aprendi comigo dos 20 anos é que nos parecemos mais do que podíamos crer. É certo que muito do que ele pretendeu eu jamais vivi, do mesmo modo que alguns dos seus sonhos não me atraem hoje. Mas, no fundo, compartilhamos uma química de elementos básicos semelhantes. Com vocês acontecerá o mesmo, com a única condição de que saibam viver de bem com as mútuas diversidades.

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