Melhor começar já, antes de o sentimento empedrar e porque daqui a alguns anos você não vai me abraçar como fez outro dia antes de dormir.
Você terá crescido – e aprimorado a habilidade de reprimir carinhos espontâneos. Mas eu terei escrito – e reunido nos parágrafos seguintes a lembrança de quando nos abraçamos incondicionalmente.
Prometo escolher bem as palavras. A sua mãe estava na sala, vidrada em uma série, enquanto eu e você, no quarto, abríamos os ritos da adoração aos seus deuses do sono, entidades caprichosas que adulamos com certas oferendas.
Primeiro cama quentinha, depois conversa, seguida de um livro de histórias coloridas, emendado a outro e, por fim, a massagem com óleo nas costas, quando as deidades se dão por convencidas e liberam passagem ao reino dos sonhos. Cama. Conversa. Livro. Livro. Óleo nas costas.
Todas. As. Noites.
Nesta em questão, as divindades resistiram em abrir o portal. Você demorou mais do que o normal para pegar no sono, um tantinho de tempo no todo de nossas vidas, mas intenso como a força de um tsunami, que se alimenta das próprias entranhas no seu avanço silencioso pelo mar.
Olhando para mim, com os olhos semicerrados, você me puxou para perto, o que nunca faz, apenas com a sua mãe. No mesmo instante, percebi que aquela noite era diferente, que o sono tardio despertara instintos de afeto, entorpecendo seu cérebro com emoções, fazendo-o enviar comandos em série ao pequeno corpo teu.
A puxada para perto foi seguida de uma encostadinha de testas. Quando me dei conta, uma de suas mãos se meteu debaixo da minha bochecha, enquanto a outra pousou sobre o meu ombro, comprimindo-o para baixo, um jeito delicado que você encontrou, mesmo exausto, de me manter imóvel.
Eu pude sentir o seu calor se misturando ao meu; o cheirinho de Artur impregnando os meus pensamentos sobre o verdadeiro significado da paternidade. Percebi o tempo dar uma parada no quarto, comovido com o nosso abraço, sem se importar em interromper sua caminhada rumo ao futuro.
Quanto a mim, voava sem sair do lugar, como na cena de um filme que um dia veremos juntos.
Um abraço espontâneo, Artur, é mais do que um gesto. É um manifesto não escrito, mas entendido, dos seus sentimentos autênticos e sinceros. Um abraço, como o nosso, acontece porque entrelaça duas pessoas que se amam, assim como os fios enroscados dão força à corda. Conexão é a palavra.
“A study published earlier this month suggests that, in addition to making us feel connected with others, all those hugs may have prevented us from getting sick. At first, this finding probably seems counterintuitive (not to mention bizarre). You might think, like I did, that hugging hundreds of strangers would increase your exposure to germs and therefore the likelihood of falling ill. But the new research out of Carnegie Mellon indicates that feeling connected to others, especially through physical touch, protects us from stress-induced sickness. This research adds to a large amount of evidence for the positive influence of social support on health.”
A Hug a Day Keeps the Doctor Away, em Scientific American
Eu disse que “daqui a alguns anos você não vai me abraçar como fez outro dia antes de dormir”. É verdade – embora custe prevê-lo. A vida vai oxidar seus sentimentos, enviesar sua espontaneidade, enfim, vai transformá-lo em adulto, com todos os preconceitos embutidos.
Abraços são muitas vezes malvistos como demonstrações de fraqueza, e há pessoas que se sentem desconfortáveis, especialmente em alguns países em que é raro ver gente tão unida.
No Brasil, o abraço tem muitas faces. Existe o frouxo, só para constar. Outro, é o de tapinha condescendente nas costas, que ninguém quer. Há o abraço traiçoeiro, que precede a punhalada. E, de vez em quando, aparece o abraço sincero, com calor.
As pessoas que valem a pena se abraçam para valer, como fizemos eu e você, tanto à noite exaustos antes de dormir como em qualquer outra hora. Eu continuarei a te abraçar até quando tenha forças, e sempre com os meus sentimentos genuínos. E não importa como irá reagir porque o abraço que já demos vale por uma vida.
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